18.9.24

Amour segundo Vergílio Ferreira e Gonçalo M. Tavares

Portas arrombadas. Muito ruído. Casa não é íntima – não de toda essa intimidade de que o filme é constituído.

Mulher morta – a bomba, Hitchcock. Flashback. Sabemos que ela vai morrer. Suspense: não sabemos quando, nem como.

A calma burguesa, mas o corpo. A biologia sempre. Corpos cultos e cosmopolitas, mas sempre biologia.

Condição frágil, vulnerabilidade. Não. Somos fortes, emitimos força. Caídos não aceitamos. Indignidade: urinar. A natureza ganha sempre e por muitos.
Não suportar a ausência de autonomia.

Nascemos entre fezes e urina – Santo Agostinho. Regressar ao silêncio e à fisiologia. Que nunca nos deixaram.

“Eu a lavar, tu a sujares.” E desenvolve: “Cresce o pêlo onde não deve como uma vegetação de ruína, cresce tudo o que é estúpido, porque a estupidez tem muita força, segue a direito, não muda de direcção.” 
“Ode ao meu corpo”, Vergílio Ferreira.
“Só o cheiro, ah, tu cheiras tão mal. É o teu modo imediato de falar, de te anunciares.” Idem

Cheiro e cinema, arte da visão, muito mais abstrata do que um corpo. É que o cheiro, além de não poder ser visto, dificilmente pode ser imaginado. Pelo menos, a repulsa está ausente de qualquer imaginação.

O cheiro está sempre presente, é a marca do corpo autónomo, do corpo orgânico que faz a sua vida paralela à nossa vida e à nossa vontade: “Para te calares é que eu te lavo” (idem). 

Eis, pois, a água como elemento de esquecimento: a água como algo que surgiu para nos esquecermos do corpo, para nos esquecermos do seu cheiro. “O homem tem muitos recursos e inventou outros cheiros para calar o teu”, mas “nesta luta desigual”, escreve Vergílio Ferreira, “és tu sempre o vencedor”. 
A velhice: desobediência sem quartel do corpo.
O cheiro do corpo morto, aliás, assim o demonstra. O organismo parece exigir a posse da última palavra; como o herói que sente necessidade de ser ele a terminar; como o protagonista: o corpo, mesmo no fim, não deixa de cheirar. E mais: o cheiro aumenta.

Continuar assim é absurdo. Não quero continuar, diz. Ele: sim, podia ter sido eu. Não quero pôr-me no teu lugar, estou cansada. 
O discernimento não é compatível com o cansaço; muito menos com o esgotamento, com a náusea permanente.
Aqueles momentos tensos de Haneke: visita do pianista.

Filha fala de dinheiro. Senhora com soro. Moribundo quer mais tempo. O resto é irrelevante.
Cuidados de saúde, terceira idade — que dignidade? A importância da diligência técnica. Amor, cuidado, zelo. Sim. Mas com a dignidade que é o corpo ser menos ostensivo nas suas falhas e nos seus cheiros.

Casa: servil aos caprichos e necessidades do corpo. Espaço para dormir, para comer, para fazer necessidades fisiológicas. Espaço culto, espiritual, que transcende o corpo: a sala com livros e piano. Casa anatómica, não espiritual.
“Um quarto de banho é uma homenagem à tua grosseria, um templo em que executamos o ritual da tua miséria” (Vergílio) .

Se olharmos, de facto, atentamente para uma casa, para a sua constituição, poderemos quase ver o corpo para o qual foi construída. Como se em vez de estarmos a olhar para uma casa estivéssemos a olhar para um mapa da anatomia humana. As suas dependências: a cozinha (alimentação), a casa de banho, o quarto com a cama que o sono exige, etc., etc. A casa é o retrato das nossas dependências físicas.
Máquinas são próteses. Substituem membros, órgãos, funções do corpo.

Porém, o corpo também já não é assim tão-só corpo, pois “tapou-se com o progresso da cultura”, diz Vergílio Ferreira. Tapou-se: escondeu-se um pouco, mas protegeu-se também; civilizou-se.
O nosso próprio corpo (e não apenas por causa da cultura) é para nós obscuro: que voz é esta, a minha? Que mãos são estas, são as minhas? Que gesto é este?

E não só o nosso, também o corpo dos que nos são próximos é algo a que não damos a suficiente atenção, algo que não chegamos a conhecer: “Não conhecemos normalmente a cor dos olhos dos amigos, porque lhe conhecemos quase só o olhar”, refere Vergílio Ferreira, lembrando Sartre.

Que imagem tenho eu, já agora? – pergunta ele. És um monstro, mas também és bom – respondeu ela.
“Um homem gosta de beijar a boca de uma mulher, mas não de se servir da sua escova de dentes. Porque o beijo na boca fala de amor, e a escova de dentes do pobre lixo dessa boca” (Vergílio).

Não há belo e feio, há belo no feio e feio no belo. Como se o corpo, a matéria, certas vezes ganhasse características inefáveis e o Espírito, por vezes, pudesse cheirar mal. 

Quando nada na existência pode depender já de mim. Nem uma dimensão material, nem espiritual. É esse o prelúdio da morte em que somos espaço e peso puramente. Só as circunstâncias falam, nós calamos e assistimos. 

Podes ir. Não vou desmoronar, disse ela, no início da nova fase da vida. Fé louca na vida; corpo, derrotado, não o percebe ainda, nem aceita.

Canetti: “Nenhum massacre nos protege do próximo” — corpo prossegue os seus trâmites de declínio.
“Uma dor tão grande que já não nos relacionamos com nós próprios” — outro apontamento de Canetti. Nós, uma memória de nós próprios que já esquecemos. O corpo apenas externo, ele próprio.

Arrogância dos imortais-tontos que se movimentam ao som das moedas. Aproximar-se para ouvir vantagem possível, não para dar calor (diálogos com filha). Claro que a filha, além do que é, é memória do que terão sido os seus pais.

Música, um outro silêncio. O que buscamos, desejamos: silêncio primordial. O espírito faz-se ouvir pelo corpo. O corpo esquecido; o corpo ostensivamente presente antes da morte.

Corpo a necessitar de limpeza rápida e de assistência para o mínimo gesto. Corpo que, no limite, nem consegue lutar com formigas, afastá-las. Arte ainda é feita pelo estrume: estrume que faz, o corpo. Nunca deixamos de ser biologia.

Já com bem menos autonomia, o contacto com a água. O exterior existe e dói, mesmo doce e quente, água domesticada e morna. “A água quente lembra-me todas as manhãs / que não tenho mais nada vivo ao pé de mim”. Yorgos Seferis.

O mundo mais doce: não como toque possível, bom toque, nos solitários. Mas toque violento. Dor é tudo o que venha do mundo, e ainda do corpo que ainda somos.

Sempre dizem algo – diz cuidadora. Mamã, mamã, mamã. O sem sentido dadá. Avança a enfermeira. Já não somos um, mas espécie. A espécie fala pela dor. A sua esposa já não é uma; já o mundo pôs as suas mãos em cima.

Na ponte de Avignon, dança-se, dança-se. Olhos esforçadamente abertos, rosto que se contorce para levantar as sobrancelhas bem alto, como um céu mais humano que a cabeça. Esforço épico para a alegria. Dança das sobrancelhas, rosto que se levanta.

Confronto muito duro e impassível com a nossa condição, o de Haneke. É difícil ver a agonia e o esforço que chega ao lugar da alegria. Nenhum outro fim.

Estalo à esposa, Anne, que não queria beber água. Cena que define Haneke. A tensão súbita, o susto, após sequências e comportamentos serenos, repetitivos. Ela bebe após o castigo. Querer estar vivo por coação, à força. A água com o sangue entra, como a letra.
Toque da filha. Humanos, calor, toque.

Filme sobre a bondade, sim. E sobre a maldade: uma vida boa pode ter um mau comportamento.
Pôr fim à vida que resiste, não se deixa ir. Não se deixa ir. A vida é o que não se deixa ir.
Que vida para além da morte da esposa? Matar em nome de outro fim? Que descanso ôntico? Não sabemos. Ou pôr um fim ao sofrimento. A dor do outro existe sem mim. Compaixão enquanto “unidade no sofrimento” não pode existir plenamente. Roubar definitivamente a dor do outro – eis o amor, quem sabe.

“Se a ligação ética começa sempre que olhamos alguém como se fosse um deficiente, e prossegue na medida em que nos descobrirmos a nós mesmos como deficientes, é natural que esse movimento seja também acompanhado por este desejo de desertarmos de nós próprios para existirmos olhando de fora a nossa precariedade” — Luís Mourão, “Entre um e a multidão”.
“O que não deixa de ser curioso, porque visto do ângulo da hipótese do amor (amor humano, amor do mundo), a impossibilidade da autossuficiência é a grande bênção.” Idem


5.8.24

«The boss hires»

I want a man who has nothing to gain.
I want his face to say: nothing more is to be lost.
I want to see from his hands:
That he shall not mind the hours,
That he shall stay on, that the pay will never be just.

Charles Simic

Ideia do comunismo

Ideia do comunismo

Na pornografia, a utopia de uma sociedade sem classes manifesta-se através do exagero caricatural dos traços que distinguem essas classes e da sua transfiguração na relação sexual. Em nenhum outro contexto, nem sequer nas máscaras de carnaval, se insiste com tanta obstinação nas marcas de classe da indumentária, no próprio momento em que a situação leva à sua transgressão e anulação, da forma mais despropositada. As toucas e os aventais das criadas de quarto, o fato-macaco dos operários, as luvas brancas e os galões do mordomo, e mesmo, mais recentemente, as batas e as máscaras das enfermeiras, celebram a sua apoteose no instante em que, estendidos como estranhos amuletos sobre corpos nus indestrinçavelmente enroscados uns nos outros, parecem anunciar, com um toque estridente de trombeta, aquele último dia em que eles terão de apresentar-se como sinais de uma comunidade ainda não anunciada.
Só no mundo antigo se encontra qualquer coisa de semelhante a isto, na representação das relações amorosas entre deuses e homens, que constituem uma fonte inesgotável de inspiração para a arte clássica na sua fase final. Na união sexual com um deus, o mortal, vencido e feliz, anulava de um golpe a infinita distância que o separava dos imortais; mas, ao mesmo tempo, esta distância restabelecia-se, ainda que invertida, nas metamorfoses da divindade em animais. O meigo focinho do touro que rapta Europa, o bico sagaz do cisne inclinado sobre o rosto de Leda, são sinais de uma promiscuidade tão íntima e tão heróica que se nos torna, pelo menos durante algum tempo, insuportável.

Se procurarmos o conteúdo de verdade da pornografia, imediatamente ela nos mete diante dos olhos a sua ingénua e simplista pretensão de felicidade. A característica essencial desta última é a de ser exigível a qualquer momento e em qualquer ocasião: qualquer que seja a situação de despedida, ela tem infalivelmente de acabar com a relação sexual. Um filme pornográfico no qual, por um qualquer contratempo, isto não acontecesse, seria uma obra-prima, mas não seria um filme pornográfico. O strip-tease é, neste sentido, o modelo de toda a intriga pornográfica: no início temos sempre e apenas pessoas vestidas numa determinada situação, e o único espaço deixado ao imprevisto é o do modo como, no fim, elas têm de reencontrar-se, agora sem roupa. (Nisto, a pornografia recupera o gesto rigoroso da grande literatura clássica: não pode haver espaço para surpresas, e o talento manifesta-se nas imperceptíveis variações sobre o mesmo tema mítico). E com isto pusemos a nu também a segunda característica essencial da pornografia: a felicidade que ela exibe é sempre circunstancial, é sempre uma história e uma ocasião que se aproveitam, mas nunca uma condição natural, nunca qualquer coisa de já dado. O naturismo, que leva a tirar a roupa, é desde sempre o adversário mais aguerrido da pornografia; e do mesmo modo que um filme pornográfico sem acontecimento sexual não teria sentido, também dificilmente se poderia qualificar de pornográfica a exibição pura e simples do sexo no ser humano.
Mostrar o potencial de felicidade presente na mais insignificante situação quotidiana e em qualquer forma de socialidade humana: essa é a eterna razão política da pornografia. Mas o seu conteúdo de verdade, que a coloca nos antípodas dos corpos nus que enchem a arte monumental do Fim-de-século, é que ela não eleva o quotidiano ao nível do céu eterno do prazer, mas exibe antes o irremediável carácter episódico de todo o prazer, a íntima digressão de todo o universal. Por isso, só na representação do prazer feminino, cuja expressão é visível apenas no rosto, ela esgota a sua intenção.

Que diriam os personagens do filme pornográfico que estamos vendo se pudessem, por seu turno, ser espectadores da nossa vida? Os nossos sonhos não podem ver-nos — e esta é a tragédia da utopia. A confusão entre personagem e leitor — boa regra de toda a leitura — deveria funcionar também aqui. Acontece, porém, que o importante não é tanto aprender a viver os nossos sonhos, mas sim que eles aprendam a ler a nossa vida.

“Um dia se mostrará que o mundo já há muito tempo que possui o sonho de uma coisa, da qual apenas precisa de ter consciência para a possuir verdadeiramente”. Certamente que sim — mas, como se possuem os sonhos, onde é que estão guardados? Porque aqui não se trata, naturalmente, de realizar alguma coisa. Nada é mais entediante do que um homem que tenha realizado os seus sonhos: é o zelo social-democrático e sem gosto da pornografia. Mas tão pouco se trata de guardar em câmaras de alabastro, intocáveis e coroados de rosas e jasmim, ideais que, ao tornar-se coisas, se quebrariam: esse é o secreto cinismo do sonhador.
Roberto Bazlen dizia: aquilo que sonhámos é qualquer coisa que já tivemos. Há tanto tempo, que já não nos recordamos disso. Não num passado, portanto — já lhe perdemos os registos. Os sonhos e os desejos não realizados da humanidade são antes os membros pacientes da ressurreição, sempre a ponto de despertar no dia final. E não dormem fechados em preciosos mausoléus, mas estão pregados, como astros vivos, ao céu remotíssimo da linguagem, cujas constelações mal conseguimos decifrar. E isso — pelo menos isso — não o sonhámos. Ser capaz de apanhar as estrelas que, como lágrimas, caem do firmamento jamais sonhado da humanidade — essa é a tarefa do comunismo.

Giorgio Agamben, Ideia da prosa, trad. João Barrento

29.7.24

Sob ocupação nazi

Podem tornar-nos as coisas algo complicadas, podem roubar-nos alguns bens materiais, alguma aparente liberdade de movimentos, mas somos nós que cometemos o maior roubo a nós próprios, roubamo-nos as nossas melhores forças através da nossa mentalidade errada. Através de nos sentirmos perseguidos, humilhados e oprimidos. Através do nosso ódio. Através da fanfarronice que esconde o medo. Bem podemos às vezes sentirmo-nos tristes e abatidos por causa daquilo que nos fazem, isso é humano e compreensível. Porém: o maior roubo que nos é feito somos nós mesmos que o fazemos. Eu acho a vida bela e sinto-me livre. Os céus dentro de mim são tão vastos como os que estão por cima de mim. Creio em Deus e creio na humanidade, e aos poucos vou-me atrevendo a dizê-lo sem falsa vergonha. A vida é difícil, mas isso não faz mal. Uma pessoa deve começar a levar-se a sério e o resto segue por si mesmo. E «trabalhar a própria personalidade» não é certamente um individualismo doentio.

Etty Hillesum, Diário 1941-1943

28.7.24

A morte em visita


Nan Goldin, Gilles's arm, Paris, 1993

Se o braço se lança absolutamente como um grito para sobreviver, aqui repousa de modo tão quieto como a roupa de cama do hospital.

27.7.24

Adenda a propósito de sombras

No número 10 da Electra, encontra-se uma fotografia de Herb Ritts, Jackie Joyner-Kersee, Point Dume, 1987. Um corpo atlético de mulher salta, no que parece salto em comprimento, triplo salto; câmara de ângulo lateral, plano ligeiramente picado, porque interessará menos a pessoa (cujo rosto está fora de enquadramento) e mais a sua sombra. O corpo tenso e forte, funcional, o salto menos arcaico e espontâneo, mas segundo regras e técnicas que o elevam. Mas a sombra, quanta graça! Um corpo mais alto e aéreo deitado na terra do que aquele mais acima sobre o ar! Dar mais atenção à nossa sombra.
 

E todavia, assinala o poeta colombiano Luis Vidales: «Vinte anos tive e outra sombra tive». Também a sombra ganha peso, perde graça, quando o medo de cair se impõe à vontade de saltar. 
Ou seria essa sombra mais pesada então?
Em certos dias, é como se a sombra fosse o par, o duplo, apenas para dar a garantia de que o céu ainda existe e sabe escrever. Para imaginar, destruir a realidade, é preciso a graça das sombras, que os dias dancem na dobra dos dias, que se lance ainda mão daquilo que não tem preço, de estar à altura duma irresponsabilidade, contradizendo uma observação de Adorno, para quem não era muito irrealista estar alegre (pese embora a gaia ciência inquieta que também cultivou). O pesadelo seria, pois, que mesmo as sombras não dancem, mesmo elas se mantenham em linha com um corpo obediente, reprimido, rígido, a ter que medir o que possui com os outros, com todos os que pesam ouro e procuram o melhor terreno, aquele companheirismo útil, urbano de palmadas e sorrisos torpes, cínicos ou alarves, com uma linguagem tão clara que ofusca, os gestos já tão científicos, a acusação que recai sobre todos os marginais, os caídos, os desesperados, a resposta tão existencialmente hesitante, tão mundanamente convicta, ao nosso pânico atmosférico. Sombras já tão mecanizadas como o corpo, que não tremem, que assustam não por serem um outro corpo desconhecido, mas porque já se tornou previsível: «O que não quero é a realidade, sombras coladas ao chão, sem o mínimo estremecimento» (Silvina Rodrigues Lopes, Sobretudo as vozes).

O suicidado renasce para um novo sofrimento

Labirinto

Labirinto, a vida, labirinto, a morte
Labirinto sem fim, diz o Mestre de Ho.

Tudo afunda, nada liberta
O suicidado renasce para um novo sofrimento.

A prisão termina numa prisão
O corredor termina noutro corredor:

Aquele que acredita desenrolar o rolo da sua vida
Não desenrola nada de nada.

Nada desemboca em nenhuma parte
Os séculos vivem também sob a terra, diz o Mestre de Ho.

Henri Michaux, Provas, exorcismos

O ar é vermelho, o vermelho é fóssil

«Nem só de pão vive o homem, especialmente quando não o tem, e, quando o tem, o sonho de ter mais deve então realizar-se mais que nunca. E esse sonho é vermelho» (Ernst Bloch, Herança desta época).

Well Known Nobodies


Surrealismo

Quando surgiu o surrealismo do dadaísmo, aumentou a atitude da grande negativa contra o mundo belicosamente distorcido que rejeitava qualquer forma de crença vulgar na realidade. Os surrealistas não se conformaram com a revolta estética; pretenderam emigrar da banalidade em todas as suas formas. A sua doutrina apresentava-se como teoria e prática da passagem à transcendência [o mito icárico]. Os surrealistas buscavam um além, no qual o inconsciente se fundisse com o fantástico e o surpreendente, para criar um anti-mundo. Postularam uma alternativa ao ser no seu conjunto. Como emigrados do lado sério da vida, exigiram o direito a residir no impossível.

Peter Sloterdijk, Reflexos primitivos

20.7.24

Pretensões e vida interior

A vida é uma corrente contínua e inalterável, talvez um pouco mais lenta nestes dias e encontrando mais resistência, porém ela continua a correr. Não posso igualmente dizer de mim própria como antigamente: «Sou tão infeliz, não sei mais o que fazer». Isto tornou-se-me completamente alheio. Antigamente, tinha realmente a pretensão de me considerar o ser mais infeliz do mundo.

(...)

E de súbito tornou-se-me tudo mais claro e eu disse: «Pois, estás a ver, no meu trabalho estou sempre nas regiões mais altas do espírito, e quando ouço coisas acerca destas situações dramáticas, interrogo-me, provavelmente sem consciência disso e aliás, agora muito conscientemente: será que eu conseguiria trabalhar do mesmo jeito, com a mesma convicção e dedicação, se permanecesse com oito pessoas esfomeadas no mesmo quarto imundo?» Porque este trabalho do espírito, esta intensa vida interior, na minha opinião só tem valor se puder ter continuidade sob qualquer circunstância externa; e se não puder ter continuidade na prática, pelo menos em pensamento. Senão, tudo aquilo que eu faço agora é somente «estetismo».

Etty Hillesum, Diário, 1941-1943

Irrelevante e inconsciente

Toda a mitologia é feita de gestos decisivos.
O gesto decisivo como sendo, tradicionalmente, um gesto heroico, como uma grande façanha.
É curioso, então, pensar num gesto decisivo que é, afinal, pouco relevante, ou melhor, que é, na aparência, pouco relevante.
Pouco relevante e não consciente da sua importância.
De facto, de uma maneira ou de outra, e com consequências ainda desconhecidas, o movimento do pescoço de Trump foi — para Trump e para a história dos Estados Unidos — um gesto decisivo. Porém, enquanto gesto em si — rotação do pescoço para o lado enquanto falava num discurso —, foi um gesto pouco relevante e não consciente da sua importância.
Irrelevante e inconsciente pode, então, ser o gesto decisivo. Que estranho, isto, num século onde o relevante e o consciente, a máquina e a decisão racional estão no centro da sociedade humana.

Gonçalo M. Tavares, «A rotação do pescoço, o destino», Expresso

Lynch minimal

 

No quarto, mais ao meio quase desaparecidos, dois braços bambos e uma máscara-lua-Méliès desfeita; na sala uma forma bela sugerida pela transparência e com luz ubíqua. No meio, quanto pó acumulado? Essa hipocrisia agarrada aos gestos como pó, mais do que isso, a vontade de comer o que ficará por saciar. A mulher, de algum modo, como uma santa bem enquadrada num altar com as mesmas poses reinventadas, criadora do sujo, pelo menos aos olhos do fantasma masculino. Caos, estupefacção, treva, humidade. A relação — no que tenha de mais violento — investida contemporaneamente de um horror ao informe.
Um salto agora. 
O sagrado é o mais sujo, um corpo que desaparece; é por isso que temos medo de Deus, confundimo-lo em demasia com a antítese do corpo. Deus é conceder ao corpo toda a sua alegria, mesmo que à custa de retratos em merda, ferida e fome (David Nebreda), privação incalculável, perversão da noção de autonomia, um abandono radical de todo o ruído, longe das formas socialmente atrozes da abjecção. O extremo abandono que comungam todos os condenados a agoniar sem perturbar. Ainda que no maior abandono já nada mais consiga alastrar senão a dor individual. A arte já não é arte, muito menos cultura, é instalação do terror íntimo, pânico, stress metafísico (dos quais, em Lynch, estão imbuídos alguns sonhos).
«Despenhar-se é atributo divino» (Silvina Rodrigues Lopes).

17.7.24

Baudelaire na natureza, na companhia dos abutres

Por engano,
a delicadeza não contou para nada. Aliás, a noite nunca se afastou. Condensou-se, negra e fria. Só paredes e o voo que se partia contra. Tanto faz, até o fogo na noite gritava uma expulsão definitiva. Agora, olho a sua estatura nas árvores deste parque, nas suas imensas raízes, no seu ser alheio e tremer ao menor sopro de vento. As folhas voltam-se para mim e para a altura mais alta. Tudo se desdobra, nada é meu e volta sempre sempre esse voltar-se. Desaparecer por instantes. Pouco se vê. Os abutres espreitam e empurram. Esconderam-se sob roupas de festa, a caminho do voto útil e da devoração. Chamam-se humanos, ameaçam a linguagem de despedimento. Quando queres esquecer eles rasgam-te as roupas, aproximam holofotes, ambulâncias. Não estás lá, voltas a amar as nuvens e a estender o teu desprezo soberano. Acompanho-te.

Silvina Rodrigues Lopes, Sobretudo as vozes

Amar as tempestades

A vida não é vida senão quando sei o que não sei. Sem nenhuma dúvida, os gestos recíprocos e verdadeiros estendem-se na superfície celeste, abraçam constelações, queimam-se no brilho de uma infância iminente.
Aqui perto, os edifícios que caem estão vazios. Os escombros acumulam-se. Sem ninguém, sem a terra vermelha e os frutos selvagens.
As crianças decepadas ganharam asas e as árvores estenderam raízes para o alto.
Não nos vemos, nem ouvimos. Cavamos trincheiras, sepulturas. Apontamos as armas que separam o inseparável. Flutuamos. Mortos vivos que nem sabem amar as tempestades.

Silvina Rodrigues Lopes, Sobretudo as vozes

16.7.24

Compreender o potro que morde o freio

Ouviu a ameaça do trovão e compreendeu o potro que morde o freio. Não abrandou o esforço para distinguir bem e mal, audácia e arrogância. Do lugar onde as vozes não eram audíveis retirava a energia dos números e das letras — a memória. Colocava-a no seu campo, o dos mortais, onde o desafio é um passo vital — encarar a morte sem terror. E das espadas surgiam asas, anunciações indeterminadas, a esperança. Um encolher de ombros e um sorriso, porque tudo podia ser de outra maneira.

Silvina Rodrigues Lopes, Sobretudo as vozes

15.7.24

Subjetivo e objetivo

Não vale alarmar-se. – Assaz difícil é decidir o que seja objectivamente a verdade, mas, no trato com os homens, não há que se deixar aterrorizar por isso. Existem critérios que para o primeiro são suficientes. Um dos mais seguros consiste em objectar a alguém que uma asserção sua é «demasiado subjectiva». Se se utilizar, e com aquela indignação em que ressoa a furiosa harmonia de todas as pessoas sensatas, então há motivo para se ficar alguns instantes em paz consigo. Os conceitos do subjectivo e objectivo inverteram-se por completo. Diz-se objectiva a parte incontroversa do fenómeno, a sua efígie inquestionavelmente aceite, a fachada composta de dados classificados, portanto, o subjectivo; e denomina-se subjectivo o que tal desmorona, acede à experiência específica da coisa, se livra das opiniões convencionais e instaura a relação com o objecto em substituição da decisão maioritária daqueles que nem sequer chegam a intuí-lo, e menos ainda a pensá-lo — logo, o objectivo. A futilidade da objecção formal da relatividade subjectiva patenteia-se no seu próprio terreno, o dos juízos estéticos. Quem alguma vez, pela força da sua precisa reacção em face da seriedade da disciplina de uma obra artística, se submete à sua lei formal imanente, à coerção da sua composição, vê desvanecer-se-lhe a prevenção do meramente subjectivo da sua experiência como uma mísera ilusão, e cada passo que dá, graças à sua inervação extremamente subjectiva, para se adentrar na obra, tem uma força objectiva incomparavelmente muito maior que as grandes e consagradas conceptualizações acerca, por exemplo, do «estilo», cuja pretensão científica se impõe à custa de tal experiência. Isto é duplamente verdadeiro na era do positivismo e da indústria cultural, cuja objectividade é calculada pelos sujeitos que a organizam. Perante esta, a razão refugiou-se toda, e sem janelas, nas idiossincrasias, acusadas de arbitrariedade pela arbitrariedade dos poderosos, porque eles querem a impotência dos sujeitos, em virtude da angústia frente à objectividade que só em tais sujeitos se encontra preservada.

Theodor Adorno, Minima moralia, trad. Artur Morão

Proibido desde já todo o pensamento

Serviço de urgências

Membros contra membros chocam
para se intersectar na cabeça.
Na mesa de dissecação contudo entreolham-se
o estereoscópio e a caneta
para que, do seu fortuito encontro,
jorre toda a beleza —
violenta e sempre pronta
pelos celibatários a ser violada
e desde logo servida sobre a marquesa.
Mas o que importa é o calor dos corpos
quando a mão aperta a memória
e se torna indistinguível
a matéria de uma e de outra —
ou quando, da tracção dos músculos,
de súbito derrama o pensamento.
Indiferente ao sofrimento
o homem adquire o hábito 
de com a mão sopesar
a febre dos outros:
ah! como explodem os corpos
num cenário apocalíptico em technicolor
(sintetizado em tons de ouro e negro)
em que o Silver Surfer e o Ghost Rider
procuram dilatar o destino
o tempo de um segredo.
Não há nada, no entanto, que nos olhos nos atinja
já que tudo se passa entre as mãos
ou no interior da cabeça.
Compreende-se assim os enfermeiros, distraídos —
habituados que estão a confrontar
a estranheza do corpo
com a sua indómita indiferença.
Levantam-se da mesa
e o mundo parece reduzir-se
a uma ligadura branca
que nos cai das mãos
sem que o sentido da vida 
se esclareça.
De olhos fechados, revela-se um interior:
uma massa branca de que se encontra excluída
qualquer forma de incerteza
(nas paredes, uma prescrição única:
proíbido desde já todo o pensamento).

Fernando Guerreiro, Poemas instantâneos

«Cerrar los ojos» de Victor Erice (2023)

Uma sombra, cada um que somos
atarantados sem entender o papel que nos tocou 
pôr em gestos e palavras
Mecanicamente o vamos vivendo mesmo 
que nem tudo funcione como novo
Como nada funciona como novo a partir do 
nascimento
Da atmosfera para os nossos pulmões adormecidos
Embriagados da impossibilidade de o esquecer
e continuarmos vivos de desaparecimento apenas sonhado
E nessa deslocação que é uma distância 
sentida – 
só pelos outros reconhecida, mas
Os outros sê-lo-ão para sempre, outros-outros –
Afinal, essa distância em relação 
a um conjunto de crenças e expectativas
Sobre nós, termos sido excluídos da crença
posta sobre o nosso nome 
Essa distância é em vida
Suportável, é possível continuar a viver 
sem biografia
Mas não sem a vida, sem o mar, sem a música, sem as mãos: 
e que perverso! – um outro juízo sobre
a contingência orgânica agora –
Que uma ordem continue a ser uma ordem 
para um conjunto desavindo de estradas neuronais
que a cabeçorra hesite impotente diante do óbvio
E que mesmo assim as mãos tremam 
o pescoço se incline como mosca ainda conhecedora
dos males da electricidade ou de mão irritada
Para o mais dentro desse mundo interior de que desviamos sempre o olhar
Para quê? Não nunca realmente esquecido!
Que um homem sem nome
como todos os homens que nunca o escolheram
– um grande não perplexo socialmente –
Seja ainda solícito com um sim, sim descalço
Perto de uma árvore ainda robusta e perene apesar da distância
Em relação à sua origem
Saber como quem se lança em verso pelas falsas costuras de si
Como afinal são os caminhos das mãos iguais com maior ou menor 
Controlo, porque o teu fazer foi sempre inconsciente? 
Outra vida, pescar, apenas ver?
Tragam-me esquecimento em travessas!
Não me lembro de nada, pára-se-me de repente o pensamento
Reconheço o amigo pelas mãos que fizeram comigo coisas em conjunto
Dois amigos: sim além disso foram a sítios
E a arte, no limite, salva uma pessoa
De quê? Para o quê?
O cinema olha para ti, o teu futuro 
nas tuas costas a olhar
na direcção oposta à do teu horizonte actual
Não há encontro, fecha os olhos
à possibilidade de dizer o teu nome
Nó que não desata nova linha para se entrelaçar: 
Tubo (cor), o coração
Nó cego, quebrado, pois, demasiado marítimo:
alma ainda agora nascida para as afecções de sempre
Ou um moribundo com coração, pulmões ainda 
cérebro com as suas funcionalidades embora:
E ouvidos

12.7.24

Lido quase ao mesmo tempo

«As pessoas renderam-se desmedidamente às suas aflições, até se destruírem» (Etty Hillesum, Diário)

«Não se dedicam a antecipações
já que o tempo, para eles, reside num futuro
nunca suficientemente inaugurado (claro)» 

Fernando Guerreiro, Poemas instantâneos

Moderno é ser devorado pela contingência, a contingência tornada necessária e extremadamente pessoal. Entregue às suas aflições ao microscópio, ao golpe culpado de ser verdugo em causa própria.

A contingência de um futuro nunca suficientemente inaugurado — calcular o quê se o tempo já acabou? Nenhum passado pode viver ainda se nos venderam um futuro falsificado. Diria que o 'suficientemente' assinala o atraso de si com o seu próprio viver: uma desconfiança, uma incoincidência, ceder o passo ao cadafalso. E o 'claro' é a suspeita de uma distância – para tais efeitos, alegria – nunca totalmente elidida.

A incapacidade de antecipar é a imaginação bloqueada, render-se ao cárcere dos factos, ao ver mais estrito, funcional talvez (embora a sobrevivência assente na antecipação). Na «gelatina do desencanto» (uma fotografia de Diane Arbus), o mínimo gesto é um cálculo infinito que ultrapassa as condições de não sermos mais os réus do triunfo de algum porco.

10.7.24

Gatos, letrados ariscos

Os letrados, porque essa palavra designa os homens que decompõem todas as coisas letra a letra e todas as relações fragmento por fragmento, são os homens que rompem o caminho.
Cisalham todos os fios. Escalam as velhas muralhas do parque onde estão fechados, por mais que se tente retê-los aí. Içam-se sobre os muros da caserna. Reasselvajam-se. São como os gatos, que preferem as sarjetas aos salões, errantes, medrosos, subtis, recuando ao menor ruído, desconcertados pela menor dor, saltando ao menor movimento de um fio de aranha que se mexe, de uma nuvem que passa, de uma abelha que esvoaça, de uma folha que cai, negligenciando as vias-férreas, os aeroportos, as auto-estradas com portagens, passando pelas ardósias lisas e inclinadas dos telhados, pelas valas lamacentas dos campos, pelas margens húmidas e brumosas dos rios.

Pascal Quignard, Os desarçonados, trad. Diogo Paiva

9.7.24

Cão, amigo, Chelsea Hotel

Salute, to the Brave New World

Por vezes temos de morrer
e um cão, então, serve-nos suficientemente de desculpa.
Mas a culpa não é verdadeiramente do cão.
O tipo até é simpático — aceita que o levemos à rua
e, com displicência, reconhece inclusive
a nossa companhia.
A coisa revela-se, por vezes, noutras noites.
Por exemplo, quando olhamos de frente
a falta de expressão, de verdadeiro interesse,
dos nossos amigos. Reparem que não digo
que a culpa seja nossa ou deles —
só que o tempo passou há muito
e não existe nada que verdadeiramente
venha ocupar a falta de um sentido
que por dentro nos desocupa
e a que, à falta de melhor,
o nome damos de súbita ausentação do destino.
Um cão já se teria ausentado há muito —
e com boas razões: para mijar,
sublinho, entre amigos.
Mas a questão não é verdadeiramente a da noite —
é a da música que, excessiva,
nos evoca um ponto
somewhere out or inside this world
em que, se a vida ainda não é possível,
pelo menos o contacto seria a subtil lei do contorno
dos nossos gestos com os seus requícios.
Tudo é muito mais belo do que isto —
e por isso mesmo imperdoável(irreconhecível).
Edie Sedgwick atravessou o hall do Chelsea Hotel
e nua correu para o parque(frio),
apenas com um manto de peles
e sem precisar do conforto dos sorrisos.
É preciso ter(e perder) muito
para assim se agarrar à pele,
beber vodkas como quem incendeia o destino
e para trás deitar cápsulas e cálices de noite e de angústia.
Será publicável este segredo?
E restituível a poesia?
Que querem que vos diga?!
No outro dia um estranho cruzou o meu segredo
e o seu silêncio foi o seu melhor desperdício.
Ouve-se de menos música —
e já não falo, sequer, do ruído.
Uma mulher fez de fera a sua pele
e já não precisa de a tirar
quando tem de sair
para ir a qualquer sítio.
Não, não é que esteja tudo errado,
somos nós que voltamos sempre ao mesmo,
antecipando-nos na ignorância 
de qualquer princípio.
What Smokey sings?,
nem sequer isso —
mas quando a poesia
é o nome mais curto que damos
a um breve passeio entre o silêncio
e o abismo.
O que vos queria dizer
quando comecei este poema (?)
e a noite já se torna
a parte mais curta do dia?!
Talvez a rapariga que sai do carro
saiba muito mais do que há para saber
(viver?) sobre tudo isto.
Mistérios da pele, coisas pequenas —
quando das páginas da Vogue
de súbito explode(implode?)
o (im)possível.

Fernando Guerreiro, Poemas instantâneos



7.7.24

A cura

«A cura só obedece a uma fórmula: Abandona tudo e salta!»

William Burroughs, Festim nu

6.7.24

Anarquia e adeus

«O homem põe e dispõe. Só a ele cabe pertencer-se todo inteiro, isto é, manter em estado de anarquia o âmbito cada vez mais temível dos seus desejos. A poesia ensina-lho: traz com ela a compensação perfeita das misérias que sofremos. É também uma ordenadora, se sob o efeito de uma decepção menos íntima nos lembramos de levá-la ao trágico. Venha o tempo em que ela decrete o fim do dinheiro e só ela parta o pão do céu para a terra! Haverá ainda assembleias nas praças públicas, e movimentos em que inesperadamente tomarás parte. Adeus selecções absurdas, sonhos de abismo, rivalidades, paciências exaustivas, galope das estações, ordem artificial das ideias, rampa do perigo, tempo para tudo! Dêem-se ao menos ao trabalho de pôr a poesia em prática. A nós, que vivemos dela, cabe-nos fazer prevalecer o seu mais amplo relato.»

André Breton, 1.º Manifesto do Surrealismo