15.6.24
«Enche o nosso coração de alegria»
11.2.23
Viver
Felicidade, acabar com o pouco: «uma totalidade sem restante, uma soma sem excepção, um lugar sem nada ao lado» (Fragmentos de um discurso amoroso)
Ainda Barthes, amor e niilismo: «Existe para mim um «valor superior»: o meu amor. Nunca digo a mim mesmo: «Para quê?» Não sou niilista. Nunca se me põe a questão dos fins.»
8.2.23
Gastar-se
Regresso: «Não consigo conhecer-te», quer dizer: «Nunca saberei o que verdadeiramente pensas de mim.» Não posso decifrar-te, pois não sei como tu me decifras.
Gastar-se, agitar-se por um objecto impenetrável é pura religião. Fazer do outro um enigma insolúvel de que depende a minha vida é consagrá-lo como deus; nunca chegarei a desfazer a questão que me levanta, o apaixonado não é Édipo. Mais não me resta do que transformar a minha ignorância em verdade. Não é verdade que quanto mais se ama, mais se compreende; o que a acção de amor obtém de mim é apenas esta evidência: que o outro não é para conhecer; a sua opacidade não é apenas a tela de um segredo mas sim uma espécie de evidência em que está abolido o jogo da aparência e do ser. Vem-me então esta exaltação de amar a fundo alguém desconhecido e que assim permaneça para sempre: movimento místico: alcanço o conhecimento do inconhecível.
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso
31.1.23
Mancha sem loucura
«O verdadeiro acto de luto não é sofrer com a perda do objecto amado; é constatar um dia, na pele da relação, uma leve mancha, ali colocada como sintoma da morte certa: pela primeira vez, faço mal a quem amo, certamente sem o querer, mas sem me enlouquecer» (Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso).
Raras vezes é conseguido tanto despojamento; a precisão da culpa, tão clara, sem gritos nem ecos. Aquele que magoa o amado devia ficar louco de imediato. Mas isso não sucede, e ainda sobejam razões para que o mundo tenha enlouquecido.
O politicamente correcto é norma moral, mas também cobertura doce que impede a digestão de se estar vivo — como se viver fosse abstracto, sem entrega. Mas queremos cada vez mais entusiasmo, muito mais do que apenas sobreviver ou viver bem.
30.1.23
Discursos de vitória: mudar-se para outro lado
Ele não gosta dos discursos de vitória. Suportando mal a humilhação de quem quer que seja, logo que uma vitória se desenha algures, fica com vontade de se mudar para outro lado (se fosse deus, havia de inverter sem cessar as vitórias — o que de resto Deus faz!). Transposta para o plano do discurso, a vitória mais justa torna-se um mau valor de linguagem, uma arrogância: o termo, reencontrado em Bataille, que fala algures das arrogâncias da ciência, estendeu-se a todos os discursos triunfantes.
10.4.20
Frantz de François Ozon
Goethe, em Fausto, sobre a felicidade: “Treme-me a voz, mal posso respirar; / Isto é um sonho, sem tempo nem lugar”.
Uma certa ordem no luto, a melancolia necessária para que, talvez, não doa demasiado. De alguma forma, ainda amor (hipótese): “Chocado pela natureza abstracta da ausência; e no entanto, arde, dilacera. Daí que compreenda melhor a abstracção: é ausência e dor, dor da ausência — talvez, portanto, amor?” (Roland Barthes, Diário de luto). Não só o amor como abstracção, como a descoberta e, depois, o convívio com a dor que avulta na ausência; mas também a abstracção como amor, sensação de ausência irremível. “E agora apago-me de novo e volto para essas duas pessoas que por força das circunstâncias eram seres meio abstractos” (Clarice Lispector, A hora da estrela).
Outra bela delicadeza de Hanna: está tudo bem, não se preocupem. Aqui por Paris a vida é uma festa. A força necessária para se ser fraco. Uma vida é uma vida, nem mais nem menos. A coragem de não contar; a coragem de mentir; a coragem de não sofrer com o que o mundo reclama (R. Barthes); de não converter melancolia em auto-comprazimento doce. Habitar a infelicidade, habitar o desejo, um dissídio no livro de Barthes. A propósito, cita Barthes a dada altura uma carta de Proust: “Diga também isto de si para si porque é uma doçura saber que nunca amaremos menos, que nunca nos consolaremos, que nos lembraremos cada vez mais.”
Diário de luto, Roland Barthes:
Dor e imortalidade; os mortais continuam a sofrer
31.12.19
Luto, imortalidade, consolo
"Eu estava organizada para me consolar da angústia e da dor. Mas como é que me arrumo com essa simples e tranquila alegria. É que não estou habituada a não precisar de meu próprio consolo."
31 de Maio de 1978