29.7.15

Ele, pronome execrável

Foi o linguista John Lyons quem escreveu que 'ele' é uma não-pessoa. 'Eu' e 'tu' intervêm numa conversação, são sujeitos, comunicam; 'ele', por seu turno, é assunto de conversa, é objecto, uma não-pessoa gramatical. É com esta base que Roland Barthes elabora uma reflexão notável (de que recolho este trecho):

Isto quer dizer que o «ele» é mau, é a pior palavra da língua: pronome da não-pessoa, anula e mortifica o seu referente; não conseguimos aplicá-lo a quem amamos sem sentir um certo mal-estar. Ao dizer, acerca de alguém, «ele», tenho sempre em vista uma espécie de assassínio pela linguagem, cuja cena completa, por vezes sumptuosa, cerimonial, é o mexerico.

O mexerico é um assassínio que não prescinde do 'ele' como uma de suas armas. Afastar-se de quem use muitas vezes por dia o pronome 'ele', eis um conselho útil. 

E no entanto, e no entanto, no livro em que o escreve, Roland Barthes por Roland Barthes, o autor fala de si usando o tal pronome, 'ele'. Expressão de desamor, de mal-estar consigo, como se o auto-retrato só o fosse levando a cabo aquele sumptuoso assassínio.





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