8.2.23

Gastar-se

Regresso: «Não consigo conhecer-te», quer dizer: «Nunca saberei o que verdadeiramente pensas de mim.» Não posso decifrar-te, pois não sei como tu me decifras.

Gastar-se, agitar-se por um objecto impenetrável é pura religião. Fazer do outro um enigma insolúvel de que depende a minha vida é consagrá-lo como deus; nunca chegarei a desfazer a questão que me levanta, o apaixonado não é Édipo. Mais não me resta do que transformar a minha ignorância em verdade. Não é verdade que quanto mais se ama, mais se compreende; o que a acção de amor obtém de mim é apenas esta evidência: que o outro não é para conhecer; a sua opacidade não é apenas a tela de um segredo mas sim uma espécie de evidência em que está abolido o jogo da aparência e do ser. Vem-me então esta exaltação de amar a fundo alguém desconhecido e que assim permaneça para sempre: movimento místico: alcanço o conhecimento do inconhecível.

Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso

Nota de Gide: «E quanto amor é sempre preciso para perceber o que difere de nós»

Sem comentários:

Enviar um comentário