31.12.19

Luto, imortalidade, consolo

27 de Outubro de 1977

— «Nunca mais, nunca mais!»
— E no entanto, contradição: este «nunca mais» não é eterno porque nós próprios morreremos um dia.
«Nunca mais» é um dizer de imortal.


29 de Outubro de 1977

Na frase «Ela já não sofre», para quê, para quem remete o «ela»? Que quer dizer este presente?

Roland Barthes, Diário de luto


Não estarás vivo para o dia seguinte. O dia seguinte, mais do que uma abstracção, é uma arrogância. Não podes formular uma eternidade que não te pertence. És mortal, poderás cair outra vez.

Enquanto vives, podes sofrer mas também ser. Apesar do sofrimento, ainda existe a possibilidade de amar, trabalhar, etc. Para muitos, a libertação não é o fazer permitido pela ausência de sofrimento, mas sim e apenas o não sofrer. O não sofrer como desígnio civilizacional, a vida como possibilidade de nunca mais sofrer. Para a civilização ocidental por vezes parece que a vida é a morte, o 'para quê' ou o 'para quem' para que remete o 'ela'. Talvez o não fazer seja outra forma de sofrimento.

"Eu estava organizada para me consolar da angústia e da dor. Mas como é que me arrumo com essa simples e tranquila alegria. É que não estou habituada a não precisar de meu próprio consolo."

Clarice Lispector, "Tanta mansidão"



31 de Maio de 1978

"Não é de solidão que preciso, é de anonimato (de trabalho)".

Roland Barthes, Diário de luto

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