31.1.23

Mancha sem loucura

«O verdadeiro acto de luto não é sofrer com a perda do objecto amado; é constatar um dia, na pele da relação, uma leve mancha, ali colocada como sintoma da morte certa: pela primeira vez, faço mal a quem amo, certamente sem o querer, mas sem me enlouquecer» (Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso).

Raras vezes é conseguido tanto despojamento; a precisão da culpa, tão clara, sem gritos nem ecos. Aquele que magoa o amado devia ficar louco de imediato. Mas isso não sucede, e ainda sobejam razões para que o mundo tenha enlouquecido.

O politicamente correcto é norma moral, mas também cobertura doce que impede a digestão de se estar vivo — como se viver fosse abstracto, sem entrega. Mas queremos cada vez mais entusiasmo, muito mais do que apenas sobreviver ou viver bem.

O doce é antecâmara da renúncia. E o mal, porque exterior e mau, merece condenação, ira e sadismo, a distribuição justa do sofrimento.

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