10.4.20

Frantz de François Ozon

Um Ozon algo diferente, neste remake de Broken Lullaby de Ernst Lubitsch (1932). Sem o corpo jovem no verão. Houve, porém, um vislumbre desse corpo quando o soldado francês tomou banho. Em Ozon, retenho o corpo e o desejo que provoca, violento, em que reverbera um toque de nostalgia. Um pouco antes do ponto em que a beleza extrema se poderia tornar extrema crueldade (Gonçalo M. Tavares).

Em Frantz narra-se uma tentativa de suicídio com alguma delicadeza. Sem música dramática — embora com o anúncio de breves sons graves, picadas de estilete — a mulher avança de costas para a câmara, sem grandes planos. Outro detalhe: a habitação de Frantz em Paris. Como teria sido a sua vida aí, que outra pessoa seria. Não sabemos, mas imaginamos, isso é o cinema, é a arte. Que teria/terá pensado Hanna disso? Desse hotel? Também não sabemos, imaginamos. Não explicar, eis o decisivo.

Outro corpo (esse sim também comparece noutros Ozon): corpo melancólico, consumido pela culpa. Vou a França, não vou; conto, ou a felicidade é o mais importante. A coragem de avançar; a fraqueza de contar. Caso porque a mãe diz, é o desejo da mãe. Noutros filmes, pode ser o corpo em face do corpo jovem do verão, abrumado com tanta força. Aqui coube-lhe viver uma vida que não quis, outra tragédia. Não menos realista, de resto.

Uma grande delicadeza: visitar uma campa sem defunto. Fazer visitas à memória, a um amor que nunca se esqueceu, a uma felicidade tão irreal, que permitiu suspender o peso mais pesado entre todos. Tanto mais fantasmática quanto dela não temos imagens.

Goethe, em Fausto, sobre a felicidade: “Treme-me a voz, mal posso respirar; / Isto é um sonho, sem tempo nem lugar”. 

Uma certa ordem no luto, a melancolia necessária para que, talvez, não doa demasiado. De alguma forma, ainda amor (hipótese): “Chocado pela natureza abstracta da ausência; e no entanto, arde, dilacera. Daí que compreenda melhor a abstracção: é ausência e dor, dor da ausência — talvez, portanto, amor?” (Roland Barthes, Diário de luto). Não só o amor como abstracção, como a descoberta e, depois, o convívio com a dor que avulta na ausência; mas também a abstracção como amor, sensação de ausência irremível. “E agora apago-me de novo e volto para essas duas pessoas que por força das circunstâncias eram seres meio abstractos” (Clarice Lispector, A hora da estrela).

Outra bela delicadeza de Hanna: está tudo bem, não se preocupem. Aqui por Paris a vida é uma festa. A força necessária para se ser fraco. Uma vida é uma vida, nem mais nem menos. A coragem de não contar; a coragem de mentir; a coragem de não sofrer com o que o mundo reclama (R. Barthes); de não converter melancolia em auto-comprazimento doce. Habitar a infelicidade, habitar o desejo, um dissídio no livro de Barthes. A propósito, cita Barthes a dada altura uma carta de Proust: “Diga também isto de si para si porque é uma doçura saber que nunca amaremos menos, que nunca nos consolaremos, que nos lembraremos cada vez mais.

Diário de luto, Roland Barthes:

Dor e imortalidade; os mortais continuam a sofrer

“— 'Nunca mais, nunca mais!'
— E no entanto, contradição: este 'nunca mais' não é eterno porque nós próprios morreremos um dia.
'Nunca mais' é um dizer de imortal.

Coragem

“A minha moral
— A coragem da discrição
— É corajoso não se ser corajoso.” (R.B.)

Argumento contra o suicídio

“Como saberei que já não sofro, se morri?” A dor é, sobretudo, o conhecimento da dor.


Agradecendo à Medeia Filmes tanta gentileza por ter tornado acessíveis vários filmes interessantes



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