Escolher um nome é já escolher um sentido. Todo um programa de sinais, sentidos, numa palavra: um destino. Não refiro, nem vos vou falar de novo de Édipo. Já se sabe que, etimologicamente, esse nome significa «pés-feridos». O que nos remete tanto para um incansável andar — de Édipo pode-se dizer que ele tem o nome (e o destino) inscrito na sola dos pés —, como para o curso desse percurso: o reavivar das marcas e dos sintomas das antigas feridas. No caso de Édipo, os pés não sangrarão de novo, mas, quando ele for suspenso — como um anti-Cristo, na posição invertida —, eles incharão, magoadamente, Mas deixemos Édipo e as suas feridas. É de um nome, hoje, que se trata. Porque o escolhi? E com que intenção? A de adivinhar um projecto — ou a de traçar, antecipar um destino? Trata-se, é claro, do nome do meu filho.
Lembro-me vagamente de o ter lido em Dante. Com efeito, num opúsculo em que defende a poesia românica, em língua vulgar (De vulgari eloquentia), referindo-se ao modo de comunicação dos Anjos, Dante afirma que estes não precisavam sequer de falar (de pronunciar uma palavra), já que, sendo transparentes, comunicavam entre si, por antecipação — de uma forma imediata —, os sentidos. Os Anjos assemelhar-se-iam, assim, a espelhos invisíveis.
Fernando Guerreiro, A sagrada família
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