23.12.24

A vida secreta

É preciso iniciar uma luta — a fundo perdido — contra o social. Mas sobretudo não iniciar uma que se baseie no um contra todos. Sobretudo não a encarar como um bode expiatório que asseguraria a unanimidade amontoando as pedras nas mãos estendidas de todos aqueles que o visam. Não se trata de iniciar uma luta desigual para nela perecer. É preciso iniciar uma vida secreta na qual sobreviver. São as estas as palavras de La Boétie antes de morrer, antes de ser traído pelo amigo, antes de Montaigne desistir de o publicar, antes de ser vencido pelo esquecimento. É Espinoza excomungado, banido, fugitivo, livre, polindo o vidro das lupas para ver mais de perto a felicidade que anima a terra sob o mundo humano e contemplar o maior tempo possível a explosão original que prossegue no fundo da abóbada celeste. Alguns homens escapam do mito, desfazendo a servidão voluntária, errando na periferia do «Todos os homens».

Pascal Quignard, Os desarçonados

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