Mas na realidade a sexualidade está em todo o lado: no modo como um burocrata acaricia os seus dossiers, um juiz faz justiça, um homem de negócios faz circular o dinheiro, a burguesia enraba o proletariado, etc. E não é preciso recorrer a metáforas, tal como a líbido não recorre a metamorfoses. Hitler entesava os fascistas. As bandeiras, as nações, os exércitos e os bancos fazem tesão a muita gente. Uma máquina revolucionária não é nada enquanto não adquirir pelo menos tanto poder de corte e de fluxo como estas máquinas coercivas.
A anti-produção espalha-se pelo sistema: amar-se-á a anti-produção por si mesma e o modo como o desejo se reprime a si próprio no grande conjunto capitalista. Reprimir o desejo, não só o dos outros, mas também o nosso, ser o chui dos outros e de nós mesmos — é isto que dá tesão, e isto não é ideologia: é economia. O capitalismo recolhe e possui o poder dos fins e dos interesses (o poder) mas tem um amor desinteressado pelo poder absurdo e não possuído da máquina. Com certeza que não é para ele nem para os filhos que o capitalista trabalha, mas para a imortalidade do sistema. Uma violência sem sentido, alegria, pura alegria de se sentir uma peça da máquina, atravessado pelos fluxos, cortado pelas esquizes. Põe-se assim na posição em que se é atravessado, cortado, enrabado pelo socius, à procura do lugar onde, de acordo com os objectivos e com os interesses que nos são impostos, se sente passar algo que não tem nem interesse nem objectivo. Uma espécie de arte pela arte na líbido, um certo gosto pelo trabalho bem feito, cada um no seu devido lugar, o banqueiro, o chui, o soldado, o tecnocrata, o burocrata, e porque não o operário, o sindicalista ... O desejo fica pasmado.
Gilles Deleuze & Félix Guattari, O anti-Édipo. Capitalismo e esquizofrenia 1, trad. Joana Moraes Varela e Manuel Maria Carrilho
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