25.5.24

Avidez, falta, medo

Comia com gula e devoção. No modo como ela ali estava, tal como eu de súbito a consegui ver do balcão, havia algo nela que me emocionou terrivelmente. Repugnou-me, por um lado, o comportamento dela, mas ao mesmo tempo senti por ela uma enorme compaixão. Não consigo explicar.
Na sofreguidão dela havia algo como se ela tivesse medo que o mundo acabasse. Havia nela algo terrivelmente patético e simultaneamente animalesco e repugnante. Foi assim que eu a vi. Na realidade ela era uma dona de casa num vestido de renda azul comendo sopa. Mas se eu conseguisse entender tudo aquilo que eu sentia que ela era, quando a observei desse jeito, então havia de entender muito acerca da minha mãe. Aquele medo de que lhe viesse a faltar algo na vida, e, devido ao medo, tudo acaba mesmo por faltar. Não consegue acompanhar a realidade.

Etty Hilesum, Diário 1941-1943

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