A morte é mesquinha, quem a chora? Só quem por esgotamento não conseguir mais lutar contra ela. Chorar para deter o inexorável, uma prova lógica que esburgamos em favor do desejo de imortalidade. Não, não salvo, não curo, sou mortal. Um discernimento que o grau de desespero põe à prova. A menos que a delicadeza possa ser um salvar mínimo. Mas a delicadeza deveria ser o normal e lúcido, não enclausurada em hospitais aflitos, não apenas no silenciar da voz diante de um moribundo (mas todos o somos).
Chorar porque nos comovemos; intuímos o que outros sentem, o amor que outros sentiam e ainda sentem. O meu pai, com tanta preparação e silêncio desapareceu.
A morte não pode ser outra coisa; a bondade, sim. Poderia ser, por exemplo: olhar para o lado se algum náufrago soluça, saudar alegremente um defunto, querer saber mais da sorte de um rei do que dos vivos, entregar-se aos rituais da morte – enfim, o quotidiano – como se fôssemos roupa dentro de uma bolsa de vácuo, ler as minúsculas letras de uma revista ou contrato, manter-se estritamente na posição vertical dos alinhados, querer imitar sem convicção a boa bondade dos cínicos, falar por um orifício algures nos joelhos, quem sabe se já próximo de tocar o chão com a língua, verificar com rigor a bainha de umas calças bem arranjadas.
Comovo-me, enfim, com as nossas melhores possibilidades, com a beleza, a bondade, o amor, a inteligência, a sua inutilidade segundo os valores tão altos da esperta e altiva sobrevivência.
«Talvez seja uma das experiências humanas e animais mais importantes. A de pedir socorro e, por pura bondade e compreensão do outro, o socorro ser dado. Talvez valha a pena ter nascido para que um dia mudamente se implore e mudamente se receba. Eu já pedi socorro. E não me foi negado» (Lispector, A descoberta do mundo).
Pelos homens a quem o meu pai mudamente implorou e de quem mudamente recebeu. Uma urgência de lentidão por eles atendida.
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