16.11.24

Hospitalidade

No átrio da estação de Lyon, no cais des Chiffres, com destino a Sens, os pobres, os mendigos, os Apolis, os Estrangeiros, os Sem-Abrigo, os Vagabundos sentados eram espancados à bastonada, eram arrastados por terra pelas axilas, eram levados para dentro de furgões por homens armados com bastões pretos e fardados de azul-eléctrico. Onde estão os contos em que os malditos penetravam nos palácios dizendo simplesmente aos guardas: «Sou um estrangeiro»? Estrangeiro era então a palavra mais bela e abria as portas. A hospitalidade era um dever, nem sequer uma virtude. O estrangeiro sentava-se no melhor lugar junto ao rei, à sua direita, semelhante a um sol  que aparece no mundo, comia e bebia até se fartar. Depois, virava-se para o rei perguntava:
— Sire, quereis saber porque tenho o queixo rapado e um olho a menos?
E o rei prosternava-se diante dele e dizia:
— Dizei-me! Dizei-me, meu amigo! Quais foram as vossas aventuras?

Pascal Quignard, Os desarçonados (trad. Diogo Paiva)


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