HERÁLDICA
tentação de ser Deus que nada tem,
orgulho incomensurável.
Por causa disso sou advertida
de que muitos me precederão no Reino,
os ladrões, os maus poetas
e pior, os bajuladores que os louvam.
Sofro pelo pensamento
de que no palácio devem ficar os reis
e na fábrica os operários, nos armazéns de cereais.
Que dura sentença espera
aos que, como eu,
ofusca uma lucidez tão grande!
Sei quando um verso é mau,
quando não vem desgarrado
da margem ignota da alma.
O que me possui é orgulho,
ou alegria — que não reconheço —
travestida de andrajos?
Só posso dizer que é amor
esta fadiga de catar as pérolas,
descobrir nos brasões a milenar linhagem.
Ninguém sabe o que diz quando fala dos pobres.
Adélia Prado, Tudo que existe louvará
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