Mais do que com a experiência perdida da infância, a filosofia tem a ver com o passar para lá dela, para aquele lugar do seu esquecimento entusiasmante, embora a infância seja ainda a melhor visão para a vida, o que para sempre Heraclito nos indicou: «A vida é uma criança que joga às pedrinhas. Realeza da infância». Giorgio Colli considera esse reaparecimento da infância na filosofia como uma tentativa de chegar ao momento do contacto, que pode ser entendido de cada vez como a reposição de ter nascido, e cuja matriz apreensível é a experiência de sentir um obstáculo: aqui estou eu e encontrei outro! Colli considera ainda que esse movimento regressivo, em que se inverte a pegada do tempo, é mais fértil no acto artístico do que na contemplação filosófica. Mas, ainda se vai mais fundo, até àquele momento transcendente que, sendo anterior ao contacto, em rigor já não é um momento, e que sussurra, segreda, para lá da experiência do contacto, a vertigem da aderência íntima. Quem chegou a esse aí, que já não é um aí, conheceu a supressão do princípio de individuação.
Maria Filomena Molder, Rebuçados venezianos
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