20.7.24

Lynch minimal

 

No quarto, mais ao meio quase desaparecidos, dois braços bambos e uma máscara-lua-Méliès desfeita; na sala uma forma bela sugerida pela transparência e com luz ubíqua. No meio, quanto pó acumulado? Essa hipocrisia agarrada aos gestos como pó, mais do que isso, a vontade de comer o que ficará por saciar. A mulher, de algum modo, como uma santa bem enquadrada num altar com as mesmas poses reinventadas, criadora do sujo, pelo menos aos olhos do fantasma masculino. Caos, estupefacção, treva, humidade. A relação — no que tenha de mais violento — investida contemporaneamente de um horror ao informe.
Um salto agora. 
O sagrado é o mais sujo, um corpo que desaparece; é por isso que temos medo de Deus, confundimo-lo em demasia com a antítese do corpo. Deus é conceder ao corpo toda a sua alegria, mesmo que à custa de retratos em merda, ferida e fome (David Nebreda), privação incalculável, perversão da noção de autonomia, um abandono radical de todo o ruído, longe das formas socialmente atrozes da abjecção. O extremo abandono que comungam todos os condenados a agoniar sem perturbar. Ainda que no maior abandono já nada mais consiga alastrar senão a dor individual. A arte já não é arte, muito menos cultura, é instalação do terror íntimo, pânico, stress metafísico (dos quais, em Lynch, estão imbuídos alguns sonhos).
«Despenhar-se é atributo divino» (Silvina Rodrigues Lopes).

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