17.7.24

Baudelaire na natureza, na companhia dos abutres

Por engano,
a delicadeza não contou para nada. Aliás, a noite nunca se afastou. Condensou-se, negra e fria. Só paredes e o voo que se partia contra. Tanto faz, até o fogo na noite gritava uma expulsão definitiva. Agora, olho a sua estatura nas árvores deste parque, nas suas imensas raízes, no seu ser alheio e tremer ao menor sopro de vento. As folhas voltam-se para mim e para a altura mais alta. Tudo se desdobra, nada é meu e volta sempre sempre esse voltar-se. Desaparecer por instantes. Pouco se vê. Os abutres espreitam e empurram. Esconderam-se sob roupas de festa, a caminho do voto útil e da devoração. Chamam-se humanos, ameaçam a linguagem de despedimento. Quando queres esquecer eles rasgam-te as roupas, aproximam holofotes, ambulâncias. Não estás lá, voltas a amar as nuvens e a estender o teu desprezo soberano. Acompanho-te.

Silvina Rodrigues Lopes, Sobretudo as vozes

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