2.6.20

Lars von Trier, Melancholia

Um curto filme dentro do filme: uma lentidão bela e melancólica, sínteses que nos permitem antever o desfecho do filme. O fim do mundo por cima das nossas cabeças logo desde o início; é o irreparável. Saturno, deus da lentidão.

Clássico Lars von Trier: uns minutos de adaptação até que a câmara páre dentro da cabeça.

Uma vertigem aumentada pelo kitsch; por favor, desejo sair do carro. Representado em câmara tosca, o kitsch, porém, só pode ser provocação.

Nada faria prever o desenvolvimento; aquela alegria não era a felicidade ingénua, mas a da inadaptação. Como demonstro aos outros a minha felicidade?

Quem parecia predador era, afinal, o ingénuo, não entendia quem tinha pela frente. A beleza é triunfante? O que promete a beleza?

A limousine não chegar é daquelas falhas que, retrospectivamente, anunciam quão o social pode ser insuportável. Sorrir, cumprimentar; um prazer fraco, análogo ao de uma função orgânica. Era mais um alívio. Porém, a noite era longa, muitas ordens havia ainda por cumprir. Até trabalho para fazer, pois há sempre quem seja muito ostensivo em não se deixar vencer pelo mundo. Nenhum músculo é tão forte como o mundo interior.

Em que instante se instala essa distância? Em que momento, por parecer brutalmente que o mundo apenas agride, nos tornamos agressores mais ou menos conscientes? Um asco crescente que nenhum gesto, pensamento ou acontecimento consegue sacudir.

Um momento brutal: levantar um pé para tomar banho e não conseguir. Nem o sangue seria tão eloquente. E o efeito compassivo da nudez: "Se vocês tivessem que se enfrentar nus uns aos outros, a matança resultar-vos-ia mais difícil. As fardas assassinas" (Elias Canetti, Apontamentos I).

Tempo para o que parece uma citação do final de Nostalghia de Tarkovsky: não a casa, mas de certo modo a infância, em que mais plenos nos imaginamos. Leveza proporcionada pela novidade, o invulgar exterior.

Cavalos que adivinham: o sobressalto, o terror nessa capacidade de ver o invisível. A insolência: como podem animais rudimentares saber?

Cavalos com medo: como podem não obedecer? Como pode o mundo não funcionar? A energia não dirigida ao mundo explodindo brutalmente. A cólera e a vergonha do humano. Esperar entre uma necessidade e a seguinte; quando a seguinte tarda, até um anjo pode matar.

Aflição com o fim, aparente calma com o fim.

Estás definitivamente perdido. Ou seja, nem sequer estás perdido, porque desta sentença não há fuga. Não te podes iludir, nem criar sentido, a floresta não tem nenhum caminho por onde possas continuar; será, daqui a pouco, transformada noutra coisa.

Avança-se para onde quando realmente não há tempo? Correr não elimina o irreparável — quando muito, poderá dar-lhe força e sentido. A iminência da morte — é ela? — aumenta o medo. A última esperança é, talvez, um medo demasiado violento.

Mais que calma, existe vontade do fim, uma certa atracção por um azul doce e perverso. O pessimismo de Lars von Trier, na senda de Dreyer — aliás, no seu estúdio, guarda a mesa de montagem do mestre.



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