7.6.20

Luís Mourão, Pyrauta

Os dias continuam altos; os mais tristes, longos. Um dia que cresce na vertical, na direcção da alegria; ou em comprimento para o lado do abismo, que também nos olha. Entramos a meio e um pouco adiante saímos; o fim in media res. É a medida da alegria e das perguntas a que não respondemos; de outro modo, existiria o gastar-se aquém de nós. Quanto tempo ignoramos a luz fria e, em lugar disso, preferimos o fogo? Disse o Gonçalo:

"Plínio inventou muito nas suas histórias.
Disse que havia uma mosca que nascia no fogo.
E só conseguia respirar perto dele. Pyrauta, o nome.
Quando se afastava do fogo morria.
Uma bela imagem. Muito mais importante do que ser mentira."

É isso — estar perto de fogo, que leio como desejo. E o reverso disso na pequena certeza e no consolo mínimo de ser entendido. De ser ouvido e visto até à exasperação. O tempo sentido como o que não pode ser parado. O peso do inexorável a tolher o próximo gesto e a fé. Uma queda minúscula para dentro, não pode ser, nada é exactamente assim. A angústia do corpo que conhece o tempo, ainda que não se conheça, ou não esteja disposto a reconhecê-lo. Não é a culpa pela inutilidade — cortar patinhas de aranha e enviá-las em carta ao ministério; coleccionar formigas; fazer figurinhas geométricas na canícula; guardar uma rã para explicar mais tarde; levar uma plantinha a passear; insectar o tremeluzente no destino. Essas descoisas de cronópios conhecidos. Seria só isso? — repetimos, não aceitamos.

Ir ficando, caro Luís; em alternativa, a mortalidade como única condição de "real acesso ao outro". Estar perto de si era o oposto de Riobaldo perto de Garanço: "Não, com êle eu não me fazia; melhor esperar; eu ia ficando" (Guimarães Rosa).

E dois versos de Goethe que, do meu ponto de vista, sintetizam a ética da sua obra e da sua intervenção na esfera pública:

"O talento forma-se no silêncio,
O carácter no oceano do mundo".

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