17.3.19

Ordem, desordem, concentração e surpresa

1. Dois perigos

Paul Valéry escreveu que «dois perigos ameaçam constantemente o mundo: a ordem e a desordem». Esses dois perigos ameaçam também uma equipa. Sem ordem e hábitos de treino nada feito. Mas o problema da ordem é que se torna, de facto, previsível. Ordem e disciplina, portanto, não bastam.
Podemos então pensar, em alternativa, numa ordem com surpresas. Tornar a estratégia de uma equipa previsível até ao momento em que, subitamente, aparece a surpresa decisiva.
Porém, podemos dizer que há uma dose máxima de surpresa recomendada. Se o treinador planeia uma surpresa a cada cinco minutos talvez a surpresa deixe de ser surpresa. É preciso adormecer antes o adversário, e durante muito tempo.
O filósofo Wittgenstein dizia precisamente o seguinte:
«Se disseres a alguém que quando chegar a casa vai ter uma surpresa, se ele chegar a casa e não tiver uma surpresa, vai ficar surpreendido.»
E sim, no jogo funciona da mesma maneira: por vezes o mais surpreendente é não haver surpresa. Só assim, por exemplo, será possível vencer um adversário que se preparou para muitos imprevistos.
Se alguém se prepara apenas para o imprevisível será vencido pelo previsível, eis uma regra básica de bom senso.

2. Dois modos opostos de ser o melhor

Há dois modos de vencer bem distintos. Dois exemplos, materializados em dois jogadores que, mais uma vez, nesta semana, foram essenciais.
Messi, a desordem colocada em cheio no centro do adversário. A surpresa: no meio do que se compreende aparece o movimento que ninguém espera.
E Ronaldo, não tanto a surpresa, mas sim: a ordem mais eficaz, mais potente do que todas as outras. Salta previsivelmente mais alto, chega previsivelmente mais cedo.

3. Concentração

Eu estava concentradíssimo em ir o mais alto e o mais para a frente possível. Esta é uma frase ouvida enquanto esperava pelo metro. Por vezes agradeço os atrasos constantes dos transportes públicos.
Ver um atleta concentrado, antes de um pénalti ou de um salto em altura, é assistir a um momento de anulação completa do exterior. Não há tempo antes nem depois. Quem está concentrado num gesto não tem futuro, nem memória; não há tempo nem espaço em redor. O que há é apenas corpo e tarefa.
Concentração significa etimologicamente: com um centro. Estar concentrado é ter um único centro. E por isso é sempre divertido escutar alguém dizer que está concentrado em três ou quatro projectos. É assim, no mínimo que nascem os torcicolos, físicos e mentais.
É como pensar num atleta que queira ao mesmo tempo, no mesmo movimento, saltar em altura e em comprimento. A coisa não vai correr bem.

4. Jogador-lupa

A potência da concentração bem evidente na lupa que concentra os raios do sol num pequeno espaço, atirando o calor para uma folha de papel. Aquilo que espalhado nada faz, quando concentrado queima.
O que é um atleta de alta competição? Isto: em cada lance de jogo concentra toda a energia na decisão da situação. Jogador-lupa, jogador concentrado, em oposição ao jogador-janela — este distrai-se com tudo o que acontece (está sempre a olhar para o lado de fora).

5. Dietas

A loucura das dietas continua. Sem x, sem y, sem z. Trata-se de tirar o prazer do prato, como quem diz soberanamente: por que razão os vivos, além de estarem vivos, ainda querem prazeres gustativos?
As restrições alimentares são uma invenção claramente do campo da maldade.
O actor americano Joe E. Lewis é bem claro em relação a isto:
«Iniciei uma dieta, abstive-me de beber, comi o mínimo — e em quinze dias, perdi duas semanas.»
Uma tomada de posição.

Gonçalo M. Tavares, A Bola, 17/03/2019


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