26.1.18

O limitado reportório das reacções humanas

Há algum tempo vi, não sei onde, a fotografia de uma execução no tempo da guerra. Três homens pálidos, de estatura mediana, sem nada de especial que lhes distinguisse as feições (a máquina apanhou-os de perfil) estavam alinhados à beira de uma vala acabada de abrir. Tinham ar de homens do Norte — a fotografia foi de facto tirada, segundo julgo, na Lituânia. Mesmo atrás de cada um deles estava um soldado alemão de pistola em punho. Entrevia-se ao longe mais um grupo de soldados: os espectadores. Deve ter sido no princípio do Inverno ou no fim do Outono, porque os soldados envergavam os seus casacões. Os condenados estavam também todos três vestidos da mesma maneira. Traziam bonés de pano e grossos casacos pretos por cima das camisolas interiores sem gola: o uniforme das vítimas. Como se tudo o mais não bastasse, tinham frio. Era em parte por causa disso que enterravam a cabeça nos ombros. Vão morrer daqui a um segundo: o fotógrafo disparou a máquina no instante anterior àquele em que os soldados carregavam no gatilho. Os três rapazes da aldeia enterravam a cabeça nos ombros e semicerravam os olhos como as crianças fazem na expectativa da dor. Contavam ser feridos, talvez gravemente; aguardavam — tão perto dos seus ouvidos! — o estrondo ensurdecedor de um tiro. E semicerravam os olhos. É tão limitado o reportório das reacções humanas! O que os esperava era a morte, e não a dor; porém os seus corpos não conseguiam distinguir uma da outra.

Joseph Brodsky, Marca de água


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