4.1.16

Veleiro, navalha e cardume

Título de um belo ensaio de Júlia de Carvalho Hansen. Sobre memória, esquecimento, herança, assimilação. Memorável o finale. Mais um grande caderno (para download gratuito, aqui) da chão da feira.


«Agora pouco quando escrevia sentia na minha letra a fogosidade de quando leio Rimbaud. Dele me apropriei de quê? E embora o lesse para aprender nada, ele me ensinou. Não passo quinze minutos escrevendo sem sentir um laço entre algo que li e o que agora escrevo. Na maior parte das vezes não consigo tratar um pensamento como uma posse, e as coisas que leio, o pensamento as conhece em metamorfose. Porque o pensamento é uma abertura que não posso repetir sem pensar novamente, quando escrevo em eco do que um dia li, mais do que uma ideia do texto de outro, penso me apossar é do gesto. Talvez isto se chame técnica, e ler um poeta é entender como ele respira, e escrever o seu respiro é quebrar um verso. Algumas vezes sabemos bem do que nos apossamos, de alguns poetas podemos furtar uma gravata, mas outros são terríveis, impossíveis, devastadores. Como se apropriar de uma labareda? Penso no rapaz, na poeira levantada pelas botas do rapaz, pela estrada até Paris. Jean-Arthur fugindo de casa para ser Rimbaud. Rimbaud recusando a fixidez, todo ágil pela luz natureza. Rimbaud esquecendo a Europa. Rimbaud sendo a navalha que herdou.»



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