5.1.16

Como um hiato na respiração


João Barrento medita com sensibilidade, às vezes pungente, sobre a morte – ou, mais precisamente, sobre a ética. Aludindo e citando obras de escritores e filósofos como Gabriela Llansol, Derrida, Virginia Woolf, Spinoza, Séneca ou Celan, para além de cineastas, pintores, escultores e fotógrafos como Aleksandr Sokurov, Van Gogh, Rui Chafes ou Francesca Woodman, entre muitos outros, o autor debruça-se com delicadeza e erudição sobre a mais radical e ética das decisões: a “morte livre” (expressão que João Barrento prefere a suicídio). Para tanto, somando a excursos sobre vários temas, pondera sobre a incomunicabilidade do nosso interior, tantas vezes para nós inóspito e opaco. Esta dimensão interior, denominada ética, é de todo inacessível aos outros (o que potencia más interpretações dos nossos gestos e palavras). É aí nesse território onde somente cada um de nós está que decisões deflagram, sempre assombradas por incertezas – “o dia seguinte é o único em que só haverá certezas.” Este diário ensaístico, que incorpora fac-símiles de fotogramas, quadros, citações e reflexões que o autor foi colecionando em cadernos (método que evoca os hypomnemata), é constituído por reflexões feitas entre 23 de novembro de 2013 e o mesmo dia de 2014 – que acompanharam, portanto, a insidiosa, pequena e quotidiana morte do seu corpo. Não escolhemos o nascer, mas podemos escolher o morrer – podemos doar-nos a morte. Morrer – viver – é livre. O que parece pesado (como morrer, como viver) é, afinal, leve – resulta de uma avaliação ética, a cada momento exercida. E o que são todos os diários senão meditações, mais ou menos declaradas, sobre como viver?



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