João Barrento medita com sensibilidade, às vezes pungente, sobre a
morte – ou, mais precisamente, sobre a ética. Aludindo e citando obras de escritores e filósofos como Gabriela Llansol, Derrida, Virginia Woolf, Spinoza,
Séneca ou Celan, para além de cineastas, pintores, escultores e fotógrafos como
Aleksandr Sokurov, Van Gogh, Rui Chafes ou Francesca Woodman, entre muitos
outros, o autor debruça-se com delicadeza e erudição sobre a mais radical e
ética das decisões: a “morte livre” (expressão que João Barrento prefere a suicídio).
Para tanto, somando a excursos sobre vários temas, pondera sobre a
incomunicabilidade do nosso interior, tantas vezes para nós inóspito e opaco.
Esta dimensão interior, denominada ética, é de todo inacessível aos outros (o
que potencia más interpretações dos nossos gestos e palavras). É aí nesse
território onde somente cada um de nós está que decisões deflagram, sempre
assombradas por incertezas – “o dia seguinte é o único em que só haverá
certezas.” Este diário ensaístico, que incorpora fac-símiles de fotogramas,
quadros, citações e reflexões que o autor foi colecionando em cadernos (método
que evoca os hypomnemata), é
constituído por reflexões feitas entre 23 de novembro de 2013 e o mesmo dia de
2014 – que acompanharam, portanto, a insidiosa, pequena e quotidiana morte do
seu corpo. Não escolhemos o nascer, mas podemos escolher o morrer – podemos
doar-nos a morte. Morrer – viver – é livre. O que parece pesado (como morrer,
como viver) é, afinal, leve – resulta de uma avaliação ética, a cada momento
exercida. E o que são todos os diários senão meditações, mais ou menos
declaradas, sobre como viver?
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