30.3.15

O sétimo continente



Sobre (também) a tragédia da Germanwings:

O ideal do iluminismo era um pouco este: associava-se a cultura, o ensino e a inteligência aos actos morais. Infelizmente, o que o século XX mostrou, com o Holocausto, é que inteligência e bondade/maldade são variáveis autónomas, por assim dizer. Porém, a inteligência não é neutra. Como somos cada vez mais aptos tecnicamente, somos cada vez mais fortes no exercício individual ou colectivo de exercer a bondade ou a maldade. Nunca se conseguiu ser tão eficazmente bom como hoje, ano 2013; e nunca se conseguiu ser tão eficazmente mau como neste ano de 2013. 




Como complemento, leia-se Thomas Bernhard e veja-se os filmes de Michael Haneke. Ou então, faça-se psicologia barata, discrimine-se os doentes com depressão, ou dê-se um salto de fé nos testes psicológicos. 

(O comportamento do co-piloto não corresponde ao ideal de bom funcionário da modernidade avançada, aquele que trabalha atentando contra a sua saúde, negando a recomendação dos médicos?)

Por que razão a primeira reacção mediática consistiu em supor que um acto desta natureza somente pode ser praticado por um terrorista? Será que os valores europeus são de uma tal elevação moral que apenas o radicalismo tresloucado os pode colocar em causa? Ou será que o terrorismo é, afinal, a forma que a crença, a convicção, de toda a natureza, assume aos olhos europeus? (O recalcado, pois?) O co-piloto realizou um acto, isto é, um gesto que cria retroactivamente as condições para a sua realização. A propósito de tudo isto, escreveu DeLillo em Mao II: «Em sociedades reduzidas a falta de clareza e excessos, o terror é o único acto com significado. Há demasiado de tudo, mais coisas e mensagens e significados do que o que poderíamos utilizar em dez mil vidas. Inércia-histeria. Será a história possível? Será alguém sério? A quem levamos a sério? Apenas o doente letal, a pessoa que mata e morre pela fé. Tudo o mais é absorvido, o artista é absorvido, o louco da rua é absorvido, processado e incorporado. Dêem-lhe um dólar, metam-no num anúncio de televisão. Apenas o terrorista se mantém à parte. A cultura não descobriu como assimilá-lo.»



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