3.12.25

Bisonte

1.
Uma manada de búfalos avança para a cidade de Billings,
            no Montana.
Bisontes machos pesam uma tonelada, e até mais,
e podem ter a altura doida de um metro e oitenta.
Veem, portanto, do mesmo ponto dos olhos humanos
mas, claro, não têm o mesmo critério nem as mesmas propriedades.
Do focinho à cauda podem ter quase três metros,
mas tal como usar animais como referência na medição
            de coisas artificiais talvez não faça sentido
— uma casa não tem o comprimento de sete búfalos — também na
natureza as medidas não deveriam resultar dessa referência
                                                                     abstrata, neutra,
e demasiado higiénica que é o metro.
Coisa abstrata nunca acalmou fome ou fúria de bicho.

2. 
O que é o metro, na natureza, senão nada que se coma,
sem carne nem utilidade imediata;
um little deus para os humanos em transações
                        envolvendo espaços,
porém, na grande pradaria do velho oeste americano,
tudo se media a tamanho de pés ou botas de couro —
            ou a dorso gordo de animais
como se fazia com o bom do búfalo quando não o aborreciam.
Quantos búfalos cabem numa planície?, eis a questão,
eis a forma natural de medir, meio a olho, meio a quilo.
Mas diga-se: um animal furibundo talvez não meça exatamente
o mesmo que o mesmo animal quando sonolento
ou calmo. A fúria faz no organismo o milagre do aumento de 
                                                                        comprimento,
                        largura, altura e volume;
a fúria faz animais altos e fortes. A mansidão ou o abrochar,
que toda a proximidade à casa humana exige,
pelo contrário, faz do leopardo, gatinho; do lobo, caniche; da
águia, galinha piu-piu ou papagaio de três palavras,
bichos obedientes e patarocos:
sim senhor, sim senhor — sim, minha senhora.

3. 
Não se trata apenas, pois, de fazer mais pequeno o que nasceu 
para ser maior; trata-se de enfiar pela goela abaixo
hábitos urbanos no estômago mortinho por ser boçal
                                          ou até selvagem.
Os animais passam a ter quatro patas mas como as mesas;
são transformados em acompanhantes, diz Bloom a Creonte,
em funcionários afetivos, calada mobília que ladra e caga.
Os animais não têm, pois, medida: a fita métrica é,
diante da biologia, uma impostura;
um animal muda de tamanho só pela respiração:
mais ou menos oxigénio no tórax e eis que o rigor da balança
             ou do milímetro se tornam obsoletos.
Nenhum animal vivo tem medidas certas
e se queres ser alto e largo, sê feroz;
manso cabes no buraco de uma agulha, bravo e revoltoso
            não há cadeira que trave a tua pressa.

Gonçalo M. Tavares, O fim dos Estados Unidos da América

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