20.7.24

Pretensões e vida interior

A vida é uma corrente contínua e inalterável, talvez um pouco mais lenta nestes dias e encontrando mais resistência, porém ela continua a correr. Não posso igualmente dizer de mim própria como antigamente: «Sou tão infeliz, não sei mais o que fazer». Isto tornou-se-me completamente alheio. Antigamente, tinha realmente a pretensão de me considerar o ser mais infeliz do mundo.

(...)

E de súbito tornou-se-me tudo mais claro e eu disse: «Pois, estás a ver, no meu trabalho estou sempre nas regiões mais altas do espírito, e quando ouço coisas acerca destas situações dramáticas, interrogo-me, provavelmente sem consciência disso e aliás, agora muito conscientemente: será que eu conseguiria trabalhar do mesmo jeito, com a mesma convicção e dedicação, se permanecesse com oito pessoas esfomeadas no mesmo quarto imundo?» Porque este trabalho do espírito, esta intensa vida interior, na minha opinião só tem valor se puder ter continuidade sob qualquer circunstância externa; e se não puder ter continuidade na prática, pelo menos em pensamento. Senão, tudo aquilo que eu faço agora é somente «estetismo».

Etty Hillesum, Diário, 1941-1943

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