12.7.24

Lido quase ao mesmo tempo

«As pessoas renderam-se desmedidamente às suas aflições, até se destruírem» (Etty Hillesum, Diário)

«Não se dedicam a antecipações
já que o tempo, para eles, reside num futuro
nunca suficientemente inaugurado (claro)» 

Fernando Guerreiro, Poemas instantâneos

Moderno é ser devorado pela contingência, a contingência tornada necessária e extremadamente pessoal. Entregue às suas aflições ao microscópio, ao golpe culpado de ser verdugo em causa própria.

A contingência de um futuro nunca suficientemente inaugurado — calcular o quê se o tempo já acabou? Nenhum passado pode viver ainda se nos venderam um futuro falsificado. Diria que o 'suficientemente' assinala o atraso de si com o seu próprio viver: uma desconfiança, uma incoincidência, ceder o passo ao cadafalso. E o 'claro' é a suspeita de uma distância – para tais efeitos, alegria – nunca totalmente elidida.

A incapacidade de antecipar é a imaginação bloqueada, render-se ao cárcere dos factos, ao ver mais estrito, funcional talvez (embora a sobrevivência assente na antecipação). Na «gelatina do desencanto» (uma fotografia de Diane Arbus), o mínimo gesto é um cálculo infinito que ultrapassa as condições de não sermos mais os réus do triunfo de algum porco.

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