9.9.23

Denis Johnson

«Nunca me desviei do meu início:
ergui-me tão inexoravelmente como o calor.»

Como o calor que era a única vida conhecida antes da distância. Esse calor que empurrou para nascer, inscrito como fim em cada gesto, no incalculado. Erguer-se sempre como o calor, apesar do frio em torno poder ser cada vez mais. Sem se desviar do início, é claro, dessa credulidade cega, dessa noite, dança perdida, ninguém se levanta.

«E agora os surdos aproximam-se, deixando o rasto de fumo negro
da sua enfermidade atrás de si enquanto a abandonam
e se encaminham para a oração que todas as coisas 
estão a rezar: a noite de verão como uma bolha que se retém,
cada gesto cravando o amor,
o balancear das empregadas de mesa, os onze
ecrãs de televisão numa montra a exibir o rosto de um assassino —
estas coisas revelam a clara promessa do Paraíso»

O mundo como a oração de todas as coisas: mas só sem ouvir — e sem ver. E a noite de verão como uma bolha que continua, se sustém, amor que não desejaria nenhuma interrupção. Dentro dessa bolha, a beleza e mesmo a brutalidade são revelações, tudo promete um anterior finalmente tornado lugar.

Denis Johnson, Haverá sempre um lento alfabeto de chuva
trad. Luís Filipe Parrado
da Cutelo Edições de Pedro Magalhães



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