12.11.18

Um olhar calmo sobre a maldade e a inocência

Mas agora, ao aperceber-se do estado de alma de Eduard, esta proposta transformou-se para a baronesa em projecto firme, e quanto mais depressa esta decisão ganhava vulto dentro dela, mais lisonjeava exteriormente os desejos de Eduard, pois ninguém se dominava tanto como esta mulher, e um tal domínio sobre nós próprios, em casos excepcionais, habitua-nos a tratar com dissimulação até mesmo um caso normal, inclina-nos, já que exercemos uma tal força sobre nós próprios, a estender o nosso domínio sobre os outros, de modo a compensar-nos, em certa medida, com os nossos sucessos exteriores, aquilo que nos falta interiormente.
A esta maneira de ser associa-se geralmente uma espécie de secreto prazer malévolo em constatar a cegueira dos outros, a inconsciência com que se lançam numa armadilha. Não nos regozijamos somente com o sucesso presente, regozijamo-nos também com a vergonha que os há-de surpreender. E, assim, a baronesa foi suficientemente maliciosa para convidar Eduard, juntamente com Charlotte, a assistir às vindimas nas suas propriedades e para responder à pergunta de Eduard, que pretendia saber se podiam levar Ottilie, de uma forma que ele poderia interpretar, se lhe aprouvesse, em seu favor.
Eduard falava já deleitado da região maravilhosa, do grande rio, das colinas, dos penhascos e das vinhas, dos velhos castelos, dos passeios de barco, das alegrias da vindima, do lagar, e assim por diante, ao mesmo tempo que, na inocência do seu coração, se regozijava já antecipadamente bem alto com a impressão que tais cenas iriam provocar na alma pueril de Ottilie. Nesse momento, viram Ottilie aproximar-se, e a baronesa disse rapidamente a Eduard que era melhor ele não dizer nada sobre este projecto de viagem no Outono, pois, normalmente, aquilo com que nos alegramos com muita antecedência acaba por não se realizar. Eduard prometeu, obrigou-a, no entanto, a ir mais depressa ao encontro de Ottilie, e acabou por se lhe adiantar, com alguns passos de avanço, ao encontro da encantadora jovem. Uma profunda alegria transparecia de todo o seu ser. Beijou-lhe a mão, na qual colocou um ramo de flores campestres que colhera pelo caminho. Ao observá-lo, a baronesa sentiu no seu íntimo quase uma amargura, pois, ainda que não pudesse aceitar aquilo que nesta inclinação podia haver de culpável, de modo algum lhe era possível perdoar àquela rapariguinha novata e insignificante o que nessa inclinação havia de delicado e encantador.

Goethe, As afinidades electivas


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