6.10.18

A morte vem antes do então

Quando for a Grande Partida,
Quando embarcarmos de vez para fora dos seres e dos sentimentos
E no paquete A Morte (que rótulo levarão as nossas malas…
Que nome comprazentemente estrangeiro, de lugar, é o do porto de destino?)
Quando, emigrantes para sempre, fizermos a viagem irreparável,
E abandonarmos este oco e pavoroso mundo tão (…) para os nervos,
Estas sensações das coisas tão ligadas e misteriosas,
Estes sentimentos humanos tão naturais e inexplicáveis,
Estas torturas, estes desejos para fora daqui (e de agora), estas saudades súbitas e sem objecto,
Este subir do nosso feminino ao olhar que se vela e é materno para as coisas pequeninas,
Para os soldados de chumbo, e os comboios de corda e as fivelas dos sapatos da nossa infância,
Quando de vez, para sempre, irremediavelmente,
(…)

Álvaro de Campos, "A Partida" (h) 


Quando isto cessar, quando o irremediável se impuser, quando os nervos e a incompreensão terminarem, quando a ficção dos possíveis for impossível, quando os quandos não mais se puserem e o tempo se estreitar até não ser mais do que um, quando isto humano, então… Provavelmente, o sem-hipótese do imaginar da morte, quando o imaginar da vida for passado, quando tanto passado, como futuro, melancolia e alegria, se submeterem ao ponto passivo em que somos matéria agida. A morte vem antes do então.


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