22.9.18

Um conselho lúcido

No prefácio a 70 poemas para Adorno, escreve Gonçalo M. Tavares: “Falar: uma forma de venda parcial, um modo de jogar tragicamente à cabra-cega. A linguagem verbal suspende a visão forte e exaustiva. Fala para não veres tudo.” Falamos porque não nos dói o suficiente — e podemos falar para que não nos doa. Entre a cegueira ou algo ainda pior, é preferível falar, uma auto-mutilação suave: “Um animal cego e bípede é, afinal, o ser humano – esse falador. Diante do terrível, falas, e assim vês apenas metade ou um quarto ou um milésimo. Falas por pudor. E gritar é ainda uma expressão informe de pudor”. Não queremos ver, não suportamos, nem queremos incomodar demasiado com uma “visão forte e exaustiva”. Falar para ver menos, jogar tragicamente à cabra-cega — assim nos vamos salvando.


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