17.2.18

Que interessa, se o diz A ou B, o Autor ou Clarice?

O pior é que sou vice-versa e em ziguezague. Sou inconcludente. Mas é preciso me amar como involuntariamente sou. Apenas me responsabilizo pelo que há de voluntário em mim e que é muito pouco (p. 130).

Eu não me aprovo porque mal consigo viver comigo mesmo. Faço quase o impossível para ter isenção. Isenção de mim. Estou quase atingindo esse estado de beatitude (p. 131).

Eu já tive e experimentei um pouco de todas as torturadas baixezas e ambições humanas — estou agora quase livre do "pecado" da alma. Posso enfim me dar ao luxo de estar liberta de mim mesma e começar a sentir certa olímpica paz.
Viver me deixa tão nervosa, tão à beira de. Tomo calmantes só pelo fato de estar viva: o calmante me mata parcialmente e embota um pouco o aço demasiado agudo da minha lâmina de vida. Eu deixo de fremir um pouco. E passo a um estágio mais contemplativo (p. 139).

Todo nascimento supõe um rompimento.
Eu fui convidado para assistir um parto mas não tenho força de assistir o dramático nascimento da aurora nas montanhas quando o sol é de fogo.
Todo nascimento é uma crueldade. Devia-se deixar dormir o que quer dormir.
Minha maldade vem do mau acomodamento da alma no corpo. Ela é apertada, falta-lhe espaço interior (p. 142).

Clarice Lispector, Um sopro de vida (pulsações)


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