10.2.18

Alguma beleza, eis o que fica, quando fica

OROFERNES
(1915)

Este que no tetradracma
parece iluminar seu rosto com um sorriso,
seu formoso, fino rosto,
este é Orofernes, filho de Ariarates.

Menino e moço o expulsaram da Capadócia,
do grande palácio do seu pai,
e a crescer o mandaram para a Jónia,
entre gentes remotas esquecido.

Ah, noites maravilhosas da Jónia,
onde, sem medos e à grega,
conheceu a plenitude do prazer.
No seu coração, sempre asiático.
Mas grego pelos modos e a língua,
ornado de turquesas, vestido à grega,
ungido seu corpo com aromas de jasmim
e, entre os formosos moços da Jónia,
o mais formoso, ele, o mais ideal.

Depois, quando entraram os sírios
na Capadócia e o fizeram rei,
entregou-se à sua realeza
para gozar cada dia de um modo novo,
para arrecadar com avidez ouro e prata,
para se deleitar e se envaidecer,
vendo brilhar empilhadas as riquezas.
Quanto ao cuidado do país e do governo,
ignorava o que em seu redor sucedia.

Os capadócios depressa o expulsaram
e refugiou-se na Síria, no palácio
de Demétrio, a divertir-se e a preguiçar.

Um dia, porém, insólitos pensamentos
irromperam no seu ócio prolongado;
recordou que por sua mãe Antioquida
e por aquela vetusta Estratonice,
procedia da casa real da Síria
e que quase era um Selêucida.
Prescindiu por um pouco da lascívia e da embriaguez,
e desastradamente, meio aturdido,
intentou maquinar algo,
fazer algo, planear alguma coisa,
mas fracassou miseravelmente e foi aniquilado.

O seu fim, escreveu-se algures, talvez, e perdeu-se;
ou talvez a história, passando por ele,
com razão, não achasse oportuno,
consignar tamanha insignificância.

Este que no tetradracma
deixou o rasto do seu encanto juvenil,
uma luz da sua poética beleza,
a lembrança sensual dum rapaz da Jónia,
é Orofernes, filho de Ariarates.

Konstantinos Kavafis, 145 poemas




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