27.12.15

Rui Chafes

 Quero tudo de ti, 2006, ferro, Schatkammer van St, Pieterskerk, Leuven, Bélgica



Uma entrevista extraordinária, de uma ponta à outra (aqui). Sublinho estas três respostas. Rui Chafes é um daqueles raros seres que nos fazem sentir um particular orgulho e fé na espécie humana.


Alguma arte teve a tentação de ocupar esse lugar deixado vago pela religião...

Absolutamente. Há o aspeto da separação da arte da igreja, no mundo ocidental. Esse afastamento mútuo está relacionado com o modernismo. Com o facto de a Igreja desconfiar da arte moderna e a arte moderna desconfiar da Igreja. Por outro lado, alguma arte tentou consolar as pessoas que ficaram órfãs dessa vida espiritual. E esse consolo é muito curioso porque transforma a arte numa divindade, numa religião. Dá um sentido às coisas. Houve artistas que quiseram ser uma espécie de xamãs para uma humanidade sem religião. E isso é um motivo de esperança e ao mesmo tempo de ceticismo. O século XX foi um século de catástrofe, de desilusões e destruições, de fins de mitos, de grande cinismo. Perdeu-se uma certa inocência que existia até ao século XIX, mas nasceram outras condições para a arte que não existiam antes, como o cinismo e a ironia que são as distâncias que nos permitem defender-nos de tocar em certas fogueiras. Mas eu sou mais de me queimar na fogueira.


George Steiner tem uma frase em que diz que se pode tocar Schubert de manhã e torturar à tarde... é uma frase cética em relação a essa ideia de que a arte nos pode salvar…

Mas depende da maneira como se ouve Schubert. Acho que é uma boa ideia acreditar que a arte nos pode salvar, embora não seja certo que isso possa acontecer. Pelo menos a arte não pode salvar uma sociedade, não pode salvar uma política, não pode salvar um sistema social. Mas pode salvar a ética das pessoas, pode dar esperança e nesse sentido pode salvar o mundo.


Interessa-lhe situar-se ideologicamente?

Não. A única bandeira política que acho realmente válida é o anarquismo. E nisso tenho grandes companheiros, como Jesus Cristo e Friedrich Nietzsche. Acho que é o único sistema político, ou seria, civilizado, não violento, feito de e para pessoas responsáveis e que não precisariam de polícias nem de soldados.



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