6.11.15

Televisão, torneira

Televisão

Ligo-a como se fosse uma torneira,
nem frio nem quente, só tépido infotenimento,
e dela jorram as provas cintilantes
de conflitos, misérias, concupiscência,
desatrelados pouco a pouco, em remissões
de publicidade ansiosa que antecipa
para nosso bem a melhor vida dependente
de uma compra, de alguma aquisição indispensável.

Um carro lustroso dá curvas na chuva murmurante,
uma praia de alvura óssea acolhe peles bronzeadas,
um toalhete acalma as rugas de uma pele enrugada,
um unguento consola a dor sedentária,
dentes falsos resplandecem, a cerveja provoca alegria,
e cabelos pintados arremessam a cor pelo ecrã:
erupções de luz bebidas pelo meu cérebro,
que depressa se cansa, até ficar sequioso outra vez.



John Updike, Ponto último (traição de Ana Luísa Amaral)




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