Tudo ali havia
secado - mas restara uma barata. Uma barata tão velha
que era imemorial. O que sempre me repugnara em baratas
é que elas eram obsoletas e no entanto actuais. Saber
que elas já estavam na Terra, e iguais a hoje, antes
mesmo que tivessem aparecido os primeiros dinossauros, saber
que o primeiro homem surgido já as havia encontrado
proliferadas e se arrastando vivas, saber que elas haviam
testemunhado a formação das grandes jazidas
de petróleo e carvão no mundo, e lá
estavam durante o grande avanço e depois durante
o grande recuo das geleiras - a resistência pacífica.
Eu sabia que baratas resistiam a mais de
um mês sem alimento ou água. E que até
de madeira faziam substância nutritiva aproveitável.
E que, mesmo depois de pisadas, descomprimiam-se lentamente
e continuavam a andar. Mesmo congeladas, ao degelarem, prosseguiam
na marcha... Há trezentos e cinquenta milhões
de anos elas se repetiam sem se transformarem. Quando o
mundo era quase nu elas já o cobriam vagarosas. (Clarice Lispector, A paixão segundo G.H., p. 38-39)
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