21.6.15

Ah, o verão (português)

Alguns versos de «Laminagem» de Joaquim Manuel Magalhães

Um país agora este imenso aterro
teve alguma vez colinas e montados
onde o olhar demorava, adormecia
e seguia uma alegria viandante?
Ou gente que chegasse a qualquer mar
de que não quisesse logo fugir?
Só o pastoril decrépito o suspirava.

(Deleuze escreveu: as férias pagas foram mais revolucionárias que o maio de 68.)

A alguns vemo-los em qualquer pousio
Depois de fecharem as lojas
e nem se sabe o que vemos.
Aos balcões de cafés de azulejo,
com telemóveis pendurados nos cintos
e os cartões de crédito em dente na carteira.
Riem-se e batem nas costas
uns dos outros, entreolham e vigiam
se alguém diverso se aproxima
para largarem uma troça arcaica, e comem
com essa fome dos que não sofreram ainda
inquietações laborais ou crêem que virá
depressa o primeiro emprego.

(Poesia: dever de ver melhor. Observar de perto, ainda que não seja agradável. Ver melhor: a paisagem humana, claro.)

Ao olhá-los melhor, aos seus afectos
de pessoal especializado em escuras economias
adicionais, vejo-os depois no verão.
Ao deus dará em todos os lugares,
em tendas velhas, em rulotes,
sabe-se lá onde vão cagar. E as mulheres
com os sinais exteriores da aspereza.


(Poesia: ver melhor e imaginar. E a sátira, claro, a sátira.)


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