24.5.14

A partir de Ecce Bombo





- Acho que o sol que esperámos tanto tempo naquela noite em Ostia e que depois nascia do lado oposto, para mim foi um sinal, um convite a compreender.

Creio que, neste período, estamos a falhar mais ou menos em tudo. Estamos chateados, desiludidos, estamos fartos, deixámos de fazer política ativa, ficámos contentes por nos termos libertado deste fardo. Tentamos divertir-nos. Também estou farto porque não me divirto. Temos que conseguir fazer qualquer coisa. Não como agora que ninguém trata da sua vida mas também não muda nada na dos outros. Penso que falhamos quase tudo na relação com as mulheres, entre nós, com os estudos, em família, no trabalho. Queria que falássemos a sério. Para tentar mudar, sermos no comportamento diferentes dos nossos avós. Para sermos, mas realmente, nas coisas de todos os dias, revolucionários. Como discurso inaugural, penso que chega e sobra.

- Então para estarmos juntos podíamos formar uma equipa de basquetebol. Ou uma revista, abrir um barbeiro alternativo. Chamamo-nos com uma data: 15 de junho, 20 de setembro, 14 de julho.

- Já estão todas ocupadas as datas.

- Então do basquetebol tomamos aquele grito inicial, o que fazem todos juntos. KRIAGH-BANDOLO!

- Michele, quebra o gelo, fala-nos de ti.

- Da tua vida...

- Não.

- E porque não?

- Porque não.

- Mas não temos de falar das coisas importantes?

- Sim.

- E tu não queres falar? 

- Cesare tem muitas coisas importantes a falar, estou certo.

- Michele, estás agressivo.

- Sim, e porque é que não havia de estar agressivo?



Ainda há pouco, por ocasião dos 40 anos do 25 de abril, João Luís Barreto Guimarães confidenciava, numa entrevista não sei precisar a que jornal, que a geração nascida em liberdade pôde durante anos afastar-se da política, refugiando-se nas múltiplas formas que assume o hedonismo, ou tão-só deixando-se enlear pelos seus dilemas existenciais, pela música, pela arte, pela literatura. Em 1978, com Ecce Bombo, Nanni Moretti sentia já que havia a fazer qualquer coisa, embora, como o diálogo acima comprova, o caminho a percorrer fosse tortuoso. Daí que as personagens do filme tenham constituído um grupo de auto-consciência masculina, parodiando os grupos que as feministas então formavam. A resolução para a imprecisa melancolia poderia passar, como ainda agora passa, por novas formas de organização coletiva ou pelo grito de afirmação da individualidade única e irrepetível que as sociedades de massas tendem a arrebanhar. E talvez nos descaminhos das duas soluções tenham ficado por realizar «coisas importantes» e tenha alastrado a agressividade, a desarmonia. Como causas desta atomização crescente e da rarefação do discurso político é possível apontar, assim rapidamente, uma sedução consumista cada vez mais insidiosa e uma permeabilidade cada vez maior à narcose mediática, que contam com a moleza ética de praticamente todos.







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