25.1.14

Um bartleby de papel

Sobre biografia e ficção estamos desentendidos - como deve ser.

Ao ler Bartleby & Companhia de Enrique Vila-Matas, entusiasmei-me com um tal Clément Cadou, aspirante a escritor que, durante um jantar com Witold Gombrowicz, mal conseguiu falar, acabando por «sentir-se literalmente um móvel da sala.» Esse encontro emocionante determinou que o tal Cadou renunciasse à literatura, passando daí em diante a dedicar-se à pintura. «Todos os seus quadros tinham como protagonista absoluto um móvel, e todos levavam o mesmo enigmático e repetitivo título: auto-retrato.» Ora, mais tarde descobri que tal bartleby não teve existência empírica, é uma das invenções do autor cujas obras nos proporcionam muitos momentos de boa disposição e nos aprofundam o conhecimento da história da literatura. Ainda assim, jamais me digam, lembrando Pessoa, que Cadou nunca existiu, um ser que de si formulou o seguinte epitáfio: «Tentei sem êxito ser mais móveis, mas nem isso me foi concedido. Assim, a vida inteira fui um único móvel, o que, afinal de contas, não é pouco, se pensarmos que tudo o mais é silêncio.»



(O conhecido Quarto em Arles de Van Gogh, 1888)


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