24.12.13

Esculpir o tempo

A base era Frankenstein, de James Whale, 1931.

Creio, contudo, ser o filme mais do que um conjunto de citações.

El espíritu de la colmena de Victor Erice, obra de 1973, reproduz com um rigor inquietante o caótico mundo das crianças: as percepções desligadas, os medos as mais das vezes infundados, o espaço em volta deixado pela solidão. Tardes inteiras ocupadas pela luz e por uma demanda lançada por uma imagem. Mas também a noite, com as sombras cerzindo incertezas. Argumento de parcas palavras, como convém. Aquela solidão pode ser, também, a sombra do franquismo - correndo nós o risco de tornar árida a leitura do filme. Capta Erice, a meu ver, a errância perceptiva do mundo infantil. Com uma precisão e uma sensibilidade enormes, afins, por exemplo, das que nos são concedidas pela leitura de alguns poemas de Herberto Helder (penso em «Fonte», sobretudo). O desconhecido abre terreno não só à fantasia como ao medo. Medo que cresce ao expor-se à manipulação do outro. Claro que no mundo adulto muitas coisas permanecerão incognoscíveis - e assim continuarão. No entanto, já não se dão ao adulto como o aberto, suscitando terror. Trata-se de uma incognoscibilidade consciente. Neste ponto, sinto-me mais próximo de Rilke do que de Heidegger; isto é, a criança estaria mais próxima do Ser do que nós. Falta, aqui, a referência ao cinema. A linguagem retirar-nos-á substância, substituindo-a por suportes fantasmáticos. A iniciação ao desejo é também a consciência do cinema privado de que somos capazes.









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