19.3.13

Grande pena


Disse Fernando Pessoa que a grande tragédia da sua vida foi ter lido Pickwick Papers de Charles Dickens. A leitura deste livro havia sido tão intensa que Pessoa lamentava não poder lê-lo novamente pela primeira vez, pois as leituras seguintes não mais propiciariam o entusiasmo que a descoberta daquele mundo provocara. Não vou tão longe no meu lamento, pela cortesia devida a muitos autores, Pessoa incluído, e pela prosaica incapacidade de decidir, apenas assinalo a grande pena que me causou o ter terminado a leitura de Os enamoramentos de Javier Marías. Um romance com pouca ação, com um narrador autodiegético ponderado, às vezes de mais; melindroso, até. A vida é mais de que aquilo que fazemos ou dizemos, é também constituída pelo que conjeturamos, pelas intenções que esquissamos e por vezes não consumamos, pelas ideias sem sentido que nos trespassam repentinamente, pelo que supomos serem os outros. A verdade, todavia, é um «matagal». Ademais as coisas vão seguindo o seu rumo, sem que a nossa ação pudesse necessariamente introduzir ordem naquilo que se afigura degradante. Ceticismo, apatia, paixão (patior, passos, sofrimento estóico). O desnudamento total repele-nos: não toleramos a proximidade excessiva do outro. E isto já não é bem de agora.





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