5.4.11

Uma História de Violência


Em A History of Violence, o mundo abala a partir da família. Tudo o que exteriormente acontece tem como causa um passado por esclarecer. É esse passado o Fado do filme. A atenção concedida à família, ao seu nome, demonstra a sua fungibilidade. Igualmente aparente é a imagem: concentra em si uma ficção, a das coisas que não representam; são, por isso, mais do que pistas falsas. Tudo é urdido para acreditarmos na conspiração. A família ameaçada, forças maléficas a quererem desintegrá-la. O desenrolar do filme é a tentativa desesperada para salvá-la, para o homem assegurar o domínio que possui sobre a sua vida. Há pedaços de nós que temos de despedaçar, para permanecer alguma esperança de se prosseguir: nem tudo é integrado, absorvido. O próprio passado é responsável por uma atomização interior, sem uma inclusão possível das partes. O que fomos é um cadáver estranho que, para além de carregarmos, neste caso, procria. Parece evidente, sangrenta, a repressão necessária para haver uma família. Matar gratuitamente não se coaduna com uma vida regulada. A vida normal está sempre assombrada por aquilo que realmente somos. O mais assustador do filme não será porventura a descoberta do assassino no family guy, mas a transformação daquele neste. Assim, não só a família, como a sociedade, se magoa unida, como o demonstra a cena de sexo nas escadas da vivenda. Esta cena é a demonstração ostensiva do desejo de domínio, que sempre esteve presente. E desmascara, também, a forma mais subtil de domínio, a que não se detecta, mas que se exerce na gestão minuciosa dos pequenos dramas domésticos, na firmeza com que se agarram objectos, no requinte moderado do fétiche, que mais não foi do que um consentimento encenado de domínio ao outro, à mulher, um objecto sob a forma de teenager. De resto, seria este fétiche a preencher um hiato: o passado em que o casal não viveu junto. Ao apagá-lo, dar-se-ia a ilusão de totalidade (explicação do sexo oral?), de uma vida sem cisão interior. Voltando à cópula das escadas, o desconforto patente comprova um amor que vive agora da dor, que não se ajeita, em que a renitência à dominação se torna premente. No fundo, a dominação sempre existiu, e isso só agora se compreende. As bases da família não são planas; apesar delas, pode haver amor, que se assume como um exercício, mais ou menos leve, mais ou menos subtil, de dominação (no cinema de Cronenberg, os factos estão sempre à superfície, por mais que as suas causas estejam enterradas nas personagens — a violência não irrompe, acontece sem brusquidão, sem aviso, pese embora todo o acontecimento seja um corte, uma dobra). Compete à família decidir se a aceita ou não.

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