30.4.11

Porta de Duchamp, Rosa Maria Martelo


Um livro que questiona o lugar orgânico do texto (de resto uma das intenções da modernidade literária de Pessoa e Cesariny), uma porta de entendimentos entre tipos de texto (do reflexivo/filosófico ao estético). Para nem falar nos objectos ansiosos de Duchamp, de acordo com a denominação de Arthur Danto. Parece assumir-se desde logo a meta-reflexão. Isso não surpreende numa ensaísta que se dedicou sobretudo a pensar o poético.

A linguagem separa-nos do mundo (Jacques Lacan): a palavra desvitaliza, afasta-nos o mundo. O que pretendemos é estar próximos da realidade. Este desejo não pode contornar a língua: mesmo que Lacan insista em afirmar que uma relação absolutamente natural com o mundo não é possível.

Então, em que ficamos? Esta elaboração de uma prosa fina, de sensibilidade delicada, com um tacteio ponderado, que materializa uma procura calma das coisas e sempre consciente das limitações das palavras, aonde chega? Se há possibilidade (mais do que a utopia) das palavras estarem no lugar das coisas, de se pegarem ao ser, ela reside num dado esquecido pelo pós-modernismo: somos seres naturalmente culturais. Não há presença das coisas sem a transcendência da linguagem; ou melhor, sem imanência dita pela transcendência, sem transcendência nascida com uma relação forte com a imanência; enfim, sem «trans-imanência» (Jean-Luc Nancy).

E a relação do nosso corpo com esse mesmo mundo passa por ir do limite à fronteira, em que mundo e o nosso corpo seriam contíguos. Esta imagem - o livro parece conceber uma literatura em que o pensamento é feito de imagens e avesso a conceitos, como o diz António Guerreiro - queremo-la contínua, para se dar a nossa completude.

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