A Grã-Bretanha foi derrotada.
Vocês também serão derrotados!
Rifqa El-Kurd
Rifqa tirou-me os meus molotovs.
Se não uma metáfora
dariam uma boa jarra para jasmins,
uma boa animação à mesa de jantar,
onde a revolução consiste em baixar o volume da TV
para permitir a conversa.
Com o passar dos anos os dedos dela emagreceram,
veias como videiras.
As varandas exigiam menos deambulações
e a Teta desistiu do telecomando.
Um xeque no ecrã tagarela acerca da libertação.
É o que vem depois da paciência. Depois da paciência
existe apenas um túmulo, diz a Teta.
Para quê embalar uma mulher com cem anos
cujas tiradas permanecem intactas?
A minha mãe
é a sua bengala.
Quando não uma metáfora, a sua bengala é
o fim de uma cama ou de uma frase.
Ela agarra-se à física e à sua perspicácia.
A sua bengala nunca
é um bastão para os idosos. Ela que em tempos conheceu
sudários roxos, que em tempos conheceu
nuvens como fiapos do seu cabelo,
não baixará a cabeça. É uma luta na verdade
quatro da manhã e os meus pais gritam por hospitais.
A Teta voltou a cair.
Ela está bem. Alhamdulillah. Há cem anos
numa corda bamba entre o orgulho e a auto-estima.
Cresci num circo. Cresci em serviços de urgência
e a morte após os serviços de urgência
era incomum, pelo que nunca estive de fôlego sustido nem
de mão dada.
A esperança para mim
era um resultado inesperado, sempre.
A Teta caminha debilmente.
Tem uma coluna direita, em teoria.
Herdei dela a sua corcunda
e a sua intuição profunda.
Em Julho passado, perguntou-me como voltaríamos para casa.
Nas nossas bicicletas, disse eu, rindo-me.
Vai na tua bicicleta, que eu vou no meu cavalo.
As suas tiradas intactas o seu sorriso inquebrantável.
Atribuo imaginação à memória:
molotovs em malas Fendi,
panfletos em sapatos de pele de cobra,
lenços de seda dissimulando a violência,
um neto fascinado por ambas as rebeliões.
A Teta lembra-se do que é preciso:
espingardas em sacos de arroz,
barrigas abertas ao meio,
mulheres confundindo almofadas e descendentes,
homens tocando sirenes na rua, actuando com fervor,
mulheres cujos deuses já não respondem,
homens emasculados pelo estatuto de refugiados.
Ela não se lembra do meu nome;
a indelicadeza é muito mais memorável do que o sangue.
Sete décadas depois ainda se lembra
do que martirizou a sua pátria pela primeira vez.
A convicção política mantém-se.
Cantos de protesto como candelabros no seu subconsciente.
Habibi? Porque estás na América?
Escola.
Deus te abençoe. Mohammed quem?
Porquê a América? Tem cuidado! Diz-lhes:
«A América é a razão.» Diz-lhes: «Bebam o mar.»
Deixa-os montar os seus cavalos altivos.
Jerusalém é nossa.
A tirada mais importante de todos os tempos.
Mohammed El-Kurd, Rifqa
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