4.12.25

Depois da paciência

A tirada mais importante de todos os tempos

A Grã-Bretanha foi derrotada.
Vocês também serão derrotados!
Rifqa El-Kurd

Rifqa tirou-me os meus molotovs.
Se não uma metáfora
dariam uma boa jarra para jasmins,
uma boa animação à mesa de jantar,
onde a revolução consiste em baixar o volume da TV
para permitir a conversa.

Com o passar dos anos    os dedos dela emagreceram,
veias como videiras.
As varandas exigiam menos deambulações
e a Teta desistiu do telecomando.

Um xeque no ecrã tagarela acerca da libertação.
É o que vem depois da paciência. Depois da paciência
existe apenas um túmulo, diz a Teta.

Para quê embalar uma mulher com cem anos
cujas tiradas permanecem intactas? 

A minha mãe
é a sua bengala.
Quando não uma metáfora, a sua bengala é
o fim de uma cama ou de uma frase.
Ela agarra-se à física e à sua perspicácia.
A sua bengala nunca
é um bastão para os idosos. Ela que em tempos conheceu
sudários roxos, que em tempos conheceu
nuvens como fiapos do seu cabelo,
não baixará a cabeça. É uma luta na verdade
quatro da manhã e os meus pais gritam por hospitais.
A Teta voltou a cair.

Ela está bem. Alhamdulillah. Há cem anos
numa corda bamba entre o orgulho e a auto-estima.
Cresci num circo. Cresci em serviços de urgência
e a morte após os serviços de urgência
era incomum, pelo que nunca estive de fôlego sustido nem
                                                                              de mão dada.
                                                A esperança para mim
era um resultado inesperado, sempre.
A Teta caminha debilmente.
Tem uma coluna direita, em teoria.
Herdei dela        a sua corcunda
e a sua intuição profunda.

Em Julho passado, perguntou-me como voltaríamos para casa.
Nas nossas bicicletas, disse eu, rindo-me.
Vai na tua bicicleta, que eu vou no meu cavalo.
As suas tiradas intactas               o seu sorriso inquebrantável.

Atribuo imaginação à memória:
molotovs em malas Fendi,
                                        panfletos em sapatos de pele de cobra,
lenços de seda dissimulando a violência,
um neto fascinado por ambas as rebeliões.
A Teta lembra-se do que é preciso:
espingardas em sacos de arroz,
barrigas abertas ao meio,
mulheres confundindo almofadas e descendentes,
homens tocando sirenes na rua, actuando com fervor,
mulheres cujos deuses já não respondem,
homens emasculados pelo estatuto de refugiados.
Ela não se lembra do meu nome;
a indelicadeza é muito mais memorável          do que o sangue.
Sete décadas depois ainda se lembra
do que martirizou a sua pátria pela primeira vez.

A convicção política mantém-se.
Cantos de protesto como candelabros no seu subconsciente.

Habibi? Porque estás na América?
Escola.
Deus te abençoe. Mohammed quem?
Porquê a América? Tem cuidado! Diz-lhes:
«A América é a razão.» Diz-lhes: «Bebam o mar.»
Deixa-os montar os seus cavalos altivos.
Jerusalém é nossa.

A tirada mais importante de todos os tempos.

Mohammed El-Kurd, Rifqa

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