7.1.23

Vazio: fome, desejo

O mundo exige de nós atenção; estar vivo, atento para um corpo habitado. «Hipocondria absoluta», instigava Novalis.

Dias sem comer, Accattone. Mas sim, desejo.
O humano-Pasolini, corpo-sem-órgãos.
Nenhum vazio é mais exasperado do que não desejar, parece dizer-nos Pasolini. Vazio que não faz, vida sem exaltação. O mundo rodeado apenas de mundo, quando o dia seguinte toma a dianteira. A fome de quem está em desacordo com viver.
Nada contado. E, todavia, tudo contado — sem palavras — para quem sinta.
O desejo é secundário em relação à fome (Quignard) — mas não aqui.
Citações, entusiasmos. Quanto mais corpo, mais a alma fica completa. A alma aumenta o corpo. Bach: o fundo de desespero na alegria.
Pessoas ainda não substituídas, como traçando as linhas de força do passado; origem qualquer apagada pela voracidade do século XX. Ainda não os romanos deslavados, ferozes, infelizes fantasmas. As SS, precisamente (Pasolini).
Menos dança, é uma linguagem mais ordeira; é o estado das coisas, soldado, receber soldo. O fim do cinema são as imagens. Mas o meio e o fim do cinema de Pasolini são o corpo, «a única terra ainda não colonizada pelo poder» (Pasolini).

«O que é a fome? Um vício. Nada mais que uma impressão. Se não nos tivessem habituado a comer desde pequenos...» — Accatone, explicando o riso antes de comer, manducando dor, vazio e flores.

Retrospectivamente percebemos que pode não ser desejo, mas fome de mal. Fazer de uma mulher prostituta, ainda que o primeiro impulso seja sacrificar o instinto de sobrevivência, dando prioridade à alucinação fraterna. 

Sim, procurar a pureza; por mais imperfeita que seja. O espontâneo, por mais torpe que se torne. Ir atrás da morte do sagrado — outros tantos fantasmas, mas de corpo vibrante.

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