16.6.22

Se um outro Camões — mas tudo é Oriente

Esquecem, e nem é por mal, que o verso dele é um perpétuo emigrante

tostado ao sol de abaixo de gibraltar e não de abaixo de braga

Para montar a chafarica de poeta maior foi ao banco de ceuta

depositar o olho direito (insista-se que o outro não era torto)

na conta corrente do ver muitíssimo bem o estertor imperial

que começou com ele e está há quatro séculos em câmara ardente

mas agora ou vai ou racha, isto é, já rachou e agora vai!

Esquecem, e trouxe-lhes algum bem, que se a alma dele gentil

tivesse ficado no corpo de escudeiro pobre a vadiar à porta

do s. bento de então, ou a curtir humanidades na coimbra beata

teríamos um poeta nacional, sim, mas nunca à escala do mundo

teríamos um escudeiro versejante, benzinho claro mas só mineteiro

teríamos um gordíssimo parnasinho de pau feito

mas nunca, nunquíssima as vertebradas musculadas lusíadas!


Esquecem, e fazem mal, que na primeira aguada pela rota do cabo

já o seu sangue mudava alternando a dieta náutica de bolachéu

com a lima africana, o mel da tâmara e o verdor da manga.

Esquecem, nem sabem, que à volta, todo este sangue era oriente e sul

no cravo dos ventos daquele claro pensamento

com o ponto norte dentro de si, e a sabença medonha e viril

que tudo é oriente para quem caminha face ao sol.


João Pedro Grabato Dias, Odes Didácticas


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