9.8.20

Marc Ribot e Luís Mourão

Um dos músicos que Luís Mourão mais apreciava era Marc Ribot. Não sei de música, entro no invisível à minha maneira, a única que posso. Não vejo como nas cordas poderá estar mais suspensa uma alegria por fazer.  A música é a síntese mais eficaz. O não-verbal conseguido impõe as afecções todas, nós defendemo-nos tentando compreender o que isso é, o que isso somos, fomos, não sabemos bem. Em cada gesto a rapidez do essencial, que, de todo, não é a velocidade em que o poder se manifesta. A diferença entre força e passagem rápida. O exterior que merece atenção é o amor, as possibilidades de ligação. A velocidade não conhece o exterior, é, quando muito, conhecimento que nunca chegou a pensar. O poder provoca tristeza, mas não entristece tanto como a vida que se esvai. E afinal, olhamos de forma diferente para os gestos que somos; como já nesse amor antigo, em tudo o que esquecemos está aquilo por que ansiamos. Mas não vale a pena esperar encontrar, é só persistir na claridade que foge e fica ali à mão o importante. Um certo dedilhar inquieto e calmo, as mãos aparadas, como convém ao abraço que desejamos dar ao sol, à chuva, ao vento que a cólera arrebata aos caminhos. Manter a alegria subtil, assim como a tristeza, não somos ninguém para nos pormos em bicos de pé, apenas para voar. A rapidez vê e é vesga, o exterior e o íntimo numa corrente. Lá fora atropelam-se para riscar a palavra fome das paredes e, em seu lugar, pôr outro nome, o seu, o da abjecção. Luís, é nessa corda que vem um pouco tarde, áspera e sonora, é o inevitável calmo, como a felicidade que não deve arrebatar, não só por pudor, mas porque não nos pertence. Uma escada para subir sem instruções, escada que nos sobe, sem pedir licença reacende os vestígios, fogo nunca totalmente consumido, vento que trouxesse formas que a distracção julgou insignificantes. A raiva vem dessa hesitação ainda lá atrás. A melancolia ocupa o território a toda a extensão, interrupção gulosa. Gosto muito que o Luís nunca tivesse pedido autorização para pensar. A música é curta, e nela já cabe tudo, a medida tanto do mínimo exterior que merecemos como do máximo íntimo por que nos esforçamos. Mão, cordas, ritmo, o corpo está completo aí porque quer, move-se por dentro, pode continuar. O corpo experimenta quando quer e ninguém, incluindo nós, tem algo a ver com isso. O luto é imóvel (Barthes), não há metro-padrão que lhe valha. Na perda entramos com os dois pés, só assim saltamos da cama, só assim cuidamos dos vivos.



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