12.12.19

A vida só lhes era preciosa quando gritavam e gemiam

Enquanto isso — delicada, delicada — o Ele-ela usava um timbre. A cor do timbre. Porque eu quero viver em abundância e trairia o meu melhor amigo em troca de mais vida do que se pode ter. Essa procura, essa ambição. Eu desprezava os preceitos dos sábios que aconselham a moderação e a pobreza de alma — a simplificação de alma, segundo minha própria experiência, era a santa inocência. Mas eu lutava contra a tentação.
Sim. Sim: cair até a abjecção. Eis a ambição deles. O som era o arauto do silêncio. Porque nenhum poderia se deixar possuir por Aquele-aquela-sem-nome.
Eles queriam fruir o proibido. Queriam elogiar a vida e não queriam a dor que é necessária para se viver, para se sentir e para amar. Eles queriam sentir a imortalidade terrífica. Pois o proibido é sempre o melhor. Eles ao mesmo tempo não se incomodavam de talvez cair no enorme buraco da morte. E a vida só lhes era preciosa quando gritavam e gemiam. Sentir a força do ódio era o que eles melhor queriam. Eu me chamo povo, pensavam.
— Que é que eu faço para ser herói? Porque nos templos só entram heróis.

Clarice Lispector, "Onde estivestes de noite"

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