14.11.19

Temas angélicos

É uma coisa minha. Fala-se para estar só, ser contra os outros, limitar a invasão do mundo — dessas ruas e casas, dessa população de funcionários angélicos. Não me venham com inocências nem sabedorias.

(...)

É o desemprego por toda a parte. Percebem? A nota autobiográfica é: desemprego por dentro e por fora como um pai ou como um filho. O mundo não está para futuros.
Quanto ao comércio e à indústria, enfim: faz-se um objecto, é bonito, prático, oferece-se nos aniversários; vende-se para isso. E o mundo lá vai, chega cada vez mais longe. Ganhamos espaço para o vazio; gostamos muito da nossa morte; trabalhamos esplendidamente por conta dela. Vai haver uma festa com discursos, ramificações. Também isto é um tema angélico.

Herberto Helder, Photomaton & Vox
"(ramificações autobiográficas)"


Ora, estas mesmas pessoas não só estão atemorizadas, como são ao mesmo tempo temíveis. O estado de espírito passa da angústia para o ódio declarado, quando vêem enfraquecer aqueles que eles precisamente agora temiam. E não é só na Europa que se encontram refugos desta espécie. O pânico condensa-se, no momento em que o automatismo aumenta e se aproxima de formas perfeitas, como na América. É nestes casos que ele encontra o seu melhor alimento; expande-se através de redes que competem em rapidez com o relâmpago. Já a necessidade de receber informações várias vezes por dia é um sinal de angústia; a ilusão cresce e paralisa-se em rotações aceleradas. Todas estas antenas das cidades-cogumelo assemelham-se ao cabelo eriçado. Elas desafiam os contactos demoníacos.
(...)
Nestes remoinhos, a questão fundamental é a de saber se se pode libertar o humano do medo. Isso é muito mais importante do que armá-lo ou enchê-lo de medicamentos. O poder e a saúde estão vivos naquele que é intrépido. Em contrapartida, o medo sitia até aos dentes os esqueletos — e sobretudo eles. Pode dizer-se o mesmo daquele que nada na abundância. Não é com armas nem com tesouros que e erradica a ameaça. Eles são apenas expedientes.
O medo e a intimidação estão numa relação tão íntima, que é difícil dizer qual dos dois poderes gera o outro.
(...)
Escolher entre ter um destino ou valer tanto como um número, é essa a decisão a que cada um se vê, na verdade, forçado hoje em dia e que cada um tem de pronunciar sozinho.

Ernst Jünger, O passo da floresta

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