28.11.18

O torpor!

— O Krokowski! — exclamou Settembrini. — Ali vai quem detém todos os segredos das nossas damas. Atentemos no simbolismo subtil do seu vestuário. Escolhe o preto como alusão à área de investigação que lhe é mais cara: a noite. Este homem só tem um pensamento na cabeça e esse pensamento é sórdido. Caro engenheiro, como é possível que a nossa conversação não tenha ainda recaído sobre este tema? Mas ele já lhe foi apresentado?
Hans Castorp respondeu afirmativamente.
— E então? Não me diga que também simpatizou com ele!
— Não sei como lhe responder, senhor Settembrini. Cruzámo-nos apenas de passagem. Para além de que não sou muito rápido a fazer juízos. Olho para as pessoas e penso: ah, então és assim! Está bem!
— A isso chama-se torpor! — respondeu o italiano. Aprenda a julgar! Foi para isso que a natureza o dotou de olhos e de inteligência. Viu há pouco alguma maldade nas minhas palavras, mas decerto que isso não sucedeu sem um propósito pedagógico. Nós, humanistas, temos todos uma veia pedagógica... Meus senhores, o laço histórico que liga o humanismo à pedagogia faz prova da sua afinidade psicológica. Ao humanista não deverá ser subtraída a cátedra da educação – não poderá ser subtraída, pois só ele dá testemunho à tradição da dignidade e da beleza do homem. O humanista tomou outrora o lugar do sacerdote que, em tempos sombrios e misantrópicos, se arrojara o direito de servir de guia à juventude. Desde essa altura, meus senhores, que não se viu nascer qualquer novo tipo de educador.

Thomas Mann, A montanha mágica


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